A simbiose entre a Sala São Paulo e a Estação Julio Prestes é tamanha que um detalhe pode passar desapercebido mesmo a quem frequenta o espaço com regularidade: toda a estrutura da sala de concertos – palco, camarotes, poltronas, balcões – pode simplesmente ser desencaixada do prédio histórico, que voltaria à sua forma original.

Outra curiosidade? O piso assim como as paredes de vidro e a Estação das Artes, que separa o hall da sala de concertos da estação da CPTM que segue em funcionamento, foram pensados para isolar o espaço onde acontecem as apresentações das demais áreas – e do movimento e do barulho dos trens.

Mais uma

As palmeiras imperiais no antigo jardim da estação conspiraram a favor da sala: suas raízes já haviam comprometido o piso original, que pôde ser substituído pelo piso da sala de concertos, sem prejuízo para o prédio, patrimônio histórico.

E outra. Dentro da sala, o alto relevo da madeira que adorna os camarotes não é mera decoração: ele foi pensado em detalhes e tem como função ajudar a distribuir o som de maneira equilibrada por toda a sala.

E por falar em acústica: o material de que são feitas as cadeiras da sala simula a densidade de um corpo humano para que, com a sala vazia, durante o ensaio, o som se propague da mesma forma como se a sala estivesse com sua lotação completa.

Tudo isso quem conta é Eduardo Rodrigues, de 22 anos, monitor que realiza visitas guiadas pelo prédio. E que tem também na ponta da língua a trajetória da Estação Julio Prestes, pertencente à Companhia Estrada de Ferro Sorocabana, inaugurada em 1938 – quando sua estrutura monumental já se chocava com a decadência do cultivo do café e com o investimento no transporte rodoviário. “A estação tornou-se grande demais para o serviço que prestava”, ele conta.

O vai e vem no uso da estação – que, mais tarde, seria encampada pela Fepasa e pela CPTM, com mudanças também no fluxo de passageiros – influenciou a própria relação do prédio com seu entorno. E aqui história e presente se aproximam.

Claudia Toni, diretora executiva da Osesp na época da inauguração da sala, lembra que havia um simbolismo no fato de ela estar em um local ao qual se podia chegar por transporte público de qualquer região da cidade. “Havia uma expectativa de que a sala poderia ser o eixo de um processo de revitalização da região, o que foi abandonado.”

É o grande desafio da Sala São Paulo – estar no meio da Cracolândia e não ter conseguido, seguindo a tendência de projetos culturais em todo o mundo, trabalhar na redefinição de seu entorno. “De certa maneira, a Sala São Paulo sofre um paradoxo”, diz Marcelo Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp. “Tanto quanto vítima da degradação da região da Cracolândia, ela é uma linha de defesa, pois a intensidade das atividades cria um limite que impede que o problema avance ainda mais. A Sala São Paulo não está só na região. Ela é circundada por uma série de equipamentos culturais de referência. A recente construção de conjuntos habitacionais nas áreas adjacentes trouxe a necessidade de que esses equipamentos realizem programas que abracem esse novo entorno e que passem a dialogar melhor com o seu exterior.”

A violoncelista Adriana Holtz lembra, logo após a inauguração, da reação do público. “Por não ter uma casa própria, a orquestra foi se perdendo. Mas, de repente, com a sala, a cidade adotou de volta a orquestra.” Vinte anos depois, a expectativa é de que, consolidada na cena musical do País, a Osesp e a sala possam agora adotar de volta a cidade em que vivem.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.