Ele consegue nomear ministros e desestabiliza políticos e militares no Twitter: Olavo de Carvalho, um escritor ácido, exerce a partir de seu exílio nos Estados Unidos uma grande influência sobre o governo de Jair Bolsonaro, a ponto de provocar uma crise com os militares.

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O homem a quem muitos chamam de “guru” do presidente acaba de receber de Bolsonaro o mais alto grau da Ordem de Rio Branco, condecoração dada pelo governo para “distinguir serviços meritórios e virtudes cívicas, estimular a prática de ações e feitos dignos de honrosa menção”.

Essa honra, que demonstra a afeição inabalável do presidente, provocou críticas. Nas redes sociais, Olavo de Carvalho repreende e insulta os inimigos – supostos ou reais – de Jair Bolsonaro, com um discurso de ódio desinibido.

“Qualquer filho da puta que, dentro do governo, seja desleal ao presidente Bolosonaro é desleal à nação brasileira”, tuitou recentemente o escritor de 72 anos, outrora astrólogo, e que vive desde 2005 em Richmond, Virginia.

“Esse prefeito de Nova York é um fantoche dos sandinistas, um lixo em toda a linha. O lugar desse vagabundo é na cadeia”, tuitou recentemente depois que Bill de Blasio, o prefeito democrata da Grande Maçã, conduziu uma campanha contra a ida de Bolsonaro à cidade para receber um prêmio.

Feroz anticomunista, Olavo de Carvalho dispõe de aliados nos círculos de poder em Brasília.

Ele fez Jair Bolsonaro nomear em janeiro dois ministros vistos como seus pupilos: o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que trava uma cruzada contra o “marxismo cultural”, e o da Educação Ricardo Vélez, ex-esquerdista convertido ao bolsonarismo e afastado recentemente do cargo.

O polêmico ideólogo tem muitos “discípulos” e um milhão de seguidores nas redes sociais, cuja utilização chega ao limite do vício: às vezes, 12 tuites por hora.

– “Caos” –

Nos últimos 10 anos, ele tem dado palestras online pagas, misturando filosofia e política. Foge da imprensa (à qual chama de “merda”) como o diabo foge da cruz e não respondeu ao pedido de entrevista da AFP.

“Ele existe por meio da provocação e do insulto. Essa é a sua estratégia: provocar o maior número possível de conflitos, inclusive dentro do governo”, diz Maud Chirio, historiador da Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée.

“Ele aposta no caos, para depois regenerar uma sociedade que ele considera decadente”.

Steve Bannon, símbolo da ulta-direita conservadora americana de quem é próximo, viu nele “um dos maiores intelectuais vivos do mundo”.

O deputado Eduardo Bolsonaro, influente filho de Jair, compartilha com Olavo de Carvalho seus valores. E o gosto pelas armas.

Últimos alvos do “guru”: altos oficiais, muitos deles no governo.

“Se tudo continuar como está, já está mal. Não precisa mudar nada para ficar mal. É só continuar assim. Mais seis meses, acabou”, previu Olavo em março, em uma alusão aos generais que, segundo ele, estão prontos para trair Bolsonaro.

Com o apoio de outro filho de Bolsonaro, Carlos, vereador do Rio de Janeiro, ele acaba de lançar uma violenta campanha contra o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, que teve distorcida uma declaração sobre mudanças para um controle da internet.

“Controlar a internet, Santos Cruz? Controla sua boca, seu merda”, tuitou Olavo no último domingo.

Antes disso, Olavo metralhou conscienciosamente o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva que tem demonstrado autonomia de pensamento e uma moderação inesperada dentro do governo.

O ideólogo o chamou de “idiota”, “charlatão desprezível” e “vergonha das Forças Armadas e do Brasil”.

Fleumático, Mourão o aconselhou a “se limitar à função que desempenha bem, que é a de astrólogo”.

– “Passou do ponto” –

Mas, para a maioria dos generais que cercam Bolsonaro, o copo está cheio.

Olavo de Carvalho “passou do ponto”, considerou na terça-feira o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante das Forças Armadas e atual assessor do Palácio do Planalto.

“Praticamente todas as crises que nós vivemos desde que o presidente Bolsonaro assumiu têm a participação direta ou indireta do Olavo de Carvalho, que não contribui” em nada, criticou o militar aos jornalistas.

Bolsonaro acabou por intervir, pedindo no Twitter “página virada por ambas as partes”.

Declarações muito ambíguas, já que disse “admirar” os militares, enquanto incitou no mesmo tuite “o ícone” Olavo, cujo trabalho “contribuiu muito para (sua) chegada ao poder”.

Para Maud Chirio, Jair Bolsonaro “se revela uma figura fraca, com pouca liderança”.

“Ele não deverá bater o punho na mesa e reimpor sua autoridade”, observou.