Influenciadores promovem no Instagram e TikTok testes como ressonância magnética de corpo inteiro para pessoas sem sintomas, o que pode gerar tratamentos desnecessários, aponta estudo.Dicas de saúde enganosas e falsas promessas de cura são tão antigas quanto a própria humanidade. Os primeiros cristãos eram instruídos a ingerir imagens devocionais de santos para curar doenças e dores, enquanto charlatães do século 18 vendiam o chamado "óleo de cobra" como uma cura para qualquer problema de saúde.
Em tempos de mídias sociais, a desinformação médica se espalha com uma rapidez que nenhum charlatão ou padre viajante poderia atingir. Com milhões de seguidores ao alcance de um clique, influenciadores podem exercer um enorme poder quando se trata de conselhos médicos e de saúde.
Um novo estudo, liderado pela Universidade de Sydney e publicado no periódico científico JAMA Network Open, constatou que cerca de 85% das publicações no Instagram e no TikTok sobre exames médicos fornecem orientações médicas falsas, enganosas ou potencialmente prejudiciais, que não mencionam danos importantes, como diagnóstico excessivo ou uso excessivo desses testes.
Além da facilidade em produzir e disseminar conteúdos proporcionada pelas mídias sociais, outro fator abordado pelo estudo é capacidade maior de influência que esse meio tem em comparação com as mídias tradicionais.
"Esses dados demonstram a necessidade de uma regulamentação mais rigorosa de informações médicas enganosas nas mídias sociais", escreveram os autores.
Faca de dois gumes
Um dos exemplos citados pelo artigo é da celebridade Kim Kardashian, que em 2023 incentivou seus mais de 360 milhões de seguidores a se submeterem a uma ressonância magnética de corpo inteiro.
O exame consiste em ficar imóvel por cerca de uma hora numa maca longa e estreita que desliza para dentro de uma máquina cilíndrica que capta imagens detalhadas de órgãos, articulações e tecidos, que Kardashian chamou de "máquina salva-vidas" por seu poder de detectar sinais precoces de doenças como câncer.
De acordo com o artigo, há evidências cada vez mais claras de que os testes de detecção precoce são facas de dois gumes: podem salvar vidas, mas também trazer diagnósticos desnecessários.
De acordo com os pesquisadores, a principal preocupação com esses exames é que eles têm a capacidade de detectar condições que não levam necessariamente a uma doença, levando a diagnósticos e tratamentos desnecessários.
Agências reguladoras como a americana Food and Drug Administration (FDA, equivalente à Anvisa no Brasil) têm se articulado para regulamentar melhor testes como esse, pois identificam em seu uso inadequado uma das causas de tratamentos desnecessários, que podem causar danos individuais e ao sistema de saúde.
Além da ressonância magnética de corpo inteiro, o estudo se debruçou sobre o uso excessivo de mais quatro testes:
Multi-Cancer Early Detection (MCED), exame de sangue que detecta fragmentos de genes mutantes relacionados a tumores, estão sendo promovidos como uma forma de rastrear mais de 50 tipos de câncer antes do surgimento dos sintomas, embora não haja aprovação dos agentes regulatórios nem evidências de que os benefícios superam os danos, incluindo diagnósticos desnecessários;
Teste AMH, que mostra a quantidade de óvulos, é falsamente promovido como um teste de fertilidade e pode levar a tratamentos de fertilidade desnecessários;
Teste de microbioma intestinal, que coleta uma amostra de fezes e avalia a composição do microbioma no intestino de um indivíduo, promete bem-estar por meio da detecção precoce de muitas condições, apesar da falta de evidências de benefícios e preocupações sobre o uso excessivo de medicamentos;
Exames de sangue de baixa testosterona não têm evidências de benefícios para homens saudáveis assintomáticos e provavelmente causam o uso excessivo de suplementos.
Redes sociais e tratamentos desnecessários
Os pesquisadores afirmam que publicações nas mídias sociais são um dos principais fatores para o excesso de diagnósticos e para o aumento da demanda por tratamentos desnecessários.
O diagnóstico excessivo desvia recursos do combate a doenças que são subdiagnosticadas e subtratadas, afirmam os autores. O uso excessivo de tratamentos pode levar ainda a efeitos colaterais, como dores de cabeça induzidas por medicamentos.
Os pesquisadores analisaram 982 publicações de mídia social de influenciadores do Instagram e do TikTok com cerca de 200 milhões de seguidores no total para avaliar sua precisão e o possível impacto sobre os usuários.
Dessas publicações, apenas 15% mencionaram os possíveis danos associados aos exames médicos.
Quase todos os influenciadores da amostra não tinham o conhecimento médico necessário para fornecer informações precisas. Apenas 6% das postagens incluíam alguma forma de evidência médica.
Em vez disso, os influenciadores tenderam a se basear em evidências anedóticas ou em dados escolhidos a dedo para promover testes que podem não ser necessários ou mesmo benéficos.
"Claramente, essa nova evidência de informações persuasivas e enganosas em quase 1.000 postagens exige respostas para ajudar a reduzir o possível excesso de diagnóstico e uso excessivo", escreveram os autores.
O estudo também descobriu que mais de dois terços dos influenciadores tinham incentivos financeiros para promover o teste sobre o qual estavam postando.
Esse incentivo financeiro pode levar a informações tendenciosas, em que os benefícios dos testes são exagerados, e os riscos, minimizados.
Como se proteger
Encontrar orientações de saúde confiáveis e com base científica na internet pode ser difícil, mas há caminhos que qualquer pessoa pode seguir para se proteger contra desinformação médica:
Verifique a fonte: Sempre confira as credenciais da pessoa que está fornecendo a orientação médica. Os influenciadores podem não ter o histórico médico necessário para oferecer informações confiáveis;
Proteja-se contra informações enganosas: Pense criticamente sobre o conteúdo que está vendo. Pergunte a si mesmo se o influenciador está se referindo a evidências científicas de fontes confiáveis;
Verifique os fatos: Use fontes confiáveis para verificar os fatos das informações compartilhadas pelos influenciadores. Sites como o da Organização Mundia de Saúde (OMS) podem ajudar;
Pense antes de compartilhar: Antes de passar algo adiante, considere se isso pode ser falso ou se pode causar danos. Verificar a precisão das informações com uma fonte respeitável pode reduzir o compartilhamento de falsidades.