Altamente dependente de remessas de óleo venezuelano, regime de Havana sente efeitos do crescente cerco dos EUA aos seus aliados em Caracas. Para especialistas, isso não é acidental, e está entre objetivos da Casa Branca. Enquanto os olhos estão voltados para a costa da Venezuela, as ações militares dos EUA para capturar petroleiros da “frota fantasma” de Nicolás Maduro estão provocando efeitos sobre outro país que também está na lista de adversários da Casa Branca: Cuba.
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Enfrentando há anos uma crise crônica em sua economia e setor energético, o regime de Havana agora vê suas perspectivas piorarem ainda mais, já que o país depende enormemente de remessas de petróleo enviadas pelo aliado Maduro. Esse novo desenvolvimento, segundo especialistas, é algo com que certamente contava desde o primeiro momento o secretário de Estado americano, Marco Rubio, um ferrenho adversário do regime cubano.
“O mais provável é que, com as recentes medidas no Caribe, essas entregas (de petróleo da Venezuela para Cuba) caiam”, afirma o economista e cientista político cubano Arturo López-Levy. “As consequências para Cuba seriam desastrosas”, destacou, por sua vez, o economista cubano Ricardo Torres.
Dependência energética
As remessas começaram em 2000, com o Convênio Integral de Cooperação Cuba-Venezuela, que, sob a liderança de Fidel Castro e Hugo Chávez, ratificou a cumplicidade bilateral e um acordo para que Caracas pagasse por serviços profissionais de Havana (principalmente médicos e professores, mas também especialistas em segurança e defesa) com grandes quantidades de petróleo. A Venezuela acabou assim se tornando o principal fornecedor energético de Cuba, substituindo de certa forma o papel de sustentáculo econômico externo (por motivos geopolíticos) que a União Soviética teve na ilha durante grande parte da Guerra Fria.
O volume das exportações petrolíferas venezuelanas para Cuba variou ao longo dos anos. Os dados oficiais não são públicos, mas especialistas apontam que, nos últimos dez anos, as remessas caíram progressivamente devido à queda na produção e às sanções americanas contra Caracas. E nesse contexto, quando Cuba já sofria seu quinto ano de grave crise – com escassez de bens básicos, inflação elevada com decréscimo econômico, incessantes cortes elétricos, colapso da produção agrícola e industrial, deterioração notável dos serviços públicos e migração massiva – o presidente dos EUA, Donald Trump, resolveu aumentar a pressão sobre a Venezuela.
Cerco à Venezuela e efeitos em Cuba
O primeiro petroleiro apreendido pelos EUA na costa da Venezuela em 10 de dezembro, o Skipper, tinha como destino Cuba, num exemplo a ofensiva contra o regime chavista também afeta Cuba. Após a apreensão, o regime de Havana admitiu que a ação reforçou “a guerra econômica contra Cuba” e que teria “um impacto direto” na ilha.
O cerco naval dos EUA aos petroleiros da “frota fantasma” da Venezuela foi um novo aperto para Cuba, algo que não é casual, segundo López-Levy. “A ofensiva do governo Trump contra a Venezuela, silenciosamente, quer derrubar o governo de Cuba, com a mesma prioridade ou mais” do que acabar com o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, avalia o cientista político. Para Rubio, acrescenta, tudo é “um problema único”, o “castro-chavismo”.
Estimativas independentes apontam que Cuba precisou este ano de 110 mil a 120 mil barris de petróleo por dia. Desses, cerca de 40 mil vieram da produção nacional da ilha; o restante deve ser buscado fora. A Venezuela, que chegou a fornecer até 100 mil barris por dia ao seu parceiro caribenho, enviou este ano cerca de 27 mil diários, segundo a agência Reuters.
Para diminuir essa lacuna de até 50 mil barris diários – que em Cuba se traduz em apagões de 20 horas por dia, indústrias paralisadas e filas em postos de gasolina – surgiram outros fornecedores, mas que se provaram insuficientes. Havana, por sua vez, não possui as divisas necessárias para comprar essa diferença no mercado internacional.
Moscou chegou a enviar cerca de 6 mil barris por dia em 2025, segundo o especialista cubano Jorge Piñón, da Universidade do Texas, que nesta quarta-feira (25/12) antecipou a chegada à ilha de um novo petroleiro russo com 330 mil barris. Torres aponta que a Rússia é o “único país que poderia ser uma alternativa real à Venezuela”, mas estima que, entre a guerra na Ucrânia e a perseguição à sua própria “frota fantasma”, não tem condições de assumir esse papel. Há também o México, que no ano passado enviou cerca de 23 mil barris diários à ilha, quantidade que este ano caiu para menos de 3 mil, segundo dados da estatal Pemex. Torres menciona a necessidade mexicana de “cuidar da relação” com os EUA, destino de 85% de suas exportações.
E a China?
Neste cenário, segundo López-Levy, “a pergunta é quem financiaria as compras em outros mercados, e quem se atreveria a vender e transportar o combustível nas atuais condições de assédio americano”.
Em sua opinião, a China – um estreito aliado político de Havana – poderia desempenhar um papel-chave, concedendo créditos a Cuba ou aos seus potenciais fornecedores. “É uma decisão geopolítica, não ideológica”, pontuou. López-Levy fala em “lógica de vendetta” de Rubio, mas recomenda “não subestimar a capacidade de resistência e resiliência do sistema cubano”, apesar da crise “brutal”. No entanto, faz uma distinção entre a sobrevivência conjuntural de Cuba sob o atual “cerco” dos EUA e a crise estrutural sofrida pelo país, algo que, em sua visão, está sem “perspectiva de solução”.