Um dos maiores desafios da humanidade é o controle das doenças negligenciadas. São aquelas que acometem principalmente países pobres e, consequentemente, despertam menor interesse comercial. Algumas delas: doença de chagas, dengue, hanseníase. Nesse momento vem da célebre Universidade de Oxford, na Inglaterra, e de outros centros, inclusive do Brasil, alvissareiras pesquisas cientificas de vacinas contra outra terrível enfermidade desse rol: a malária. Essa antiquíssima moléstia parasitária é transmitida pelo mosquito Anopheles e está entre as doenças que mais matam. A malária ocorre de forma traiçoeira: o parasita passeia pela corrente sanguínea da vítima e se instala no fígado, onde se reproduz. É importante esclarecer que há dois tipos principais de microrganismos causadores da doença: o Plasmodium falciparum é o mais letal e predomina na África; e o Plasmodium vivax, menos agudo, que está presente na América Latina e Ásia. Segundo a OMS, somente em 2020 houve mais de 240 milhões de casos em todo o mundo. No mesmo ano, no continente africano morreram mais de 600 mil pessoas, sendo que 70% delas eram crianças. O imunizante de Oxford chama-se R21 Matrix-M, e sua eficácia alcançou a taxa de 80% (o índice de efetividade exigido pela OMS é de 75%), de acordo com a renomada revista científica The Lancet.

PROTEÇÃO 450 crianças africanas participaram da pesquisa: cobertura vacinal de 80% (Crédito:BRIAN ONGORO)
PESQUISA A intenção da OMS é erradicar a doença até 2040: hipótese viável (Crédito:Felipe Caparros Cruz )

Nesse caso, Burkina Faso foi o país escolhido para que os testes com a R21 Matrix-M fossem feitos, até porque essa nação acumula 22% de todos os óbitos no planeta. A vacina foi aplicada em 450 crianças entre os 5 e 17 meses de idade, e, com um esquema de quatro doses, a proteção foi constatada. “Até o ano de 2030 teremos sensível redução de casos”, afirmou Adrian Hill, pesquisador chefe da Oxford. Ele está otimista e garante que com o imunizante o contágio da malária pode ser reduzido em 70%. A produção ficará a cargo do Serum Institute, da Índia, um dos mais importantes fabricantes de vacinas e imunobiológicos. “Isso vai contribuir para que o objetivo da OMS, de erradicação da malária até 2040, seja alcançado”, diz Luiz Carlos Dias, membro da Academia Brasileira de Ciências e docente da Unicamp. O cientista pontua que a vacina será útil contra o parasita: “Há medicamentos orais que estão perdendo efeito, mas a imunização vai contribuir para salvar a vida de muitas crianças”. O laboratório indiano Serum Institute assegura ser capaz de produzir 200 milhões de doses anualmente, iniciando a produção em 2023.

630 mil é o número de pessoas que, em média, morrem anualmente de malária ou de outras doenças dela decorrentes em todo o mundo

90% dos casos registram-se no continente africano

50 óbitos, em média, ocorrem por ano no Brasil devido à incidência da malária

Na região amazônica concentram-se 90% dos episódios que são oficialmente registrados

O surgimento do R21 Matrix-M induziu a farmacêutica GlaxoSmithKline, fabricante da vacina Mosquirix, que está em estágio mais avançado de implementação na África, a aumentar sua linha de produção. Os dois imunizantes são indicados e eficazes contra a Plasmodium falciparum. A empresa se comprometeu com a feitura de quinze milhões de doses todos os anos até 2028. O fato é positivo, mas ainda abaixo de atender a necessidade de cem milhões de aplicações anuais, como quer a OMS.

Para atender a demanda brasileira, ou seja, eliminar o Plasmodium vivax, presente essencialmente na região Amazônica, a Universidade de São Paulo em parceria com o Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais e com a Universidade de Nebraska, nos EUA, estão em vias de fazer testes em humanos com a Vivaxin. O processo até agora deu-se em três etapas: os trabalhos estão em vigor há dez anos na USP, em Minas Gerais a pesquisa passa da parte teórica para a prática e, nos EUA, será gerada a confecção da vacina. “Atingimos bom nível de combate ao parasita. Agora, vamos à fase de regulamentação”, diz Irene da Silva Soares, pesquisadora da USP, que está à frente do projeto. Sobre o tempo de espera para que a vacina esteja apta para uso, Irene lembra que, a partir da Covid-19, muito se aprendeu, e, portanto, será mais fácil e menos burocrático o processo de aprovação.

“As vacinas vão contribuir para a erradicação da doença” Luiz Carlos Dias, cientista e professor da Unicamp (Crédito:Antonio Scarpinetti/SEC Unicamp)