Odisseia das 3 mil vacas uruguaias rejeitadas pela Turquia termina na Líbia

Após um mês de viagem e outro encalhadas em um navio frente à Turquia, quase 3 mil vacas provenientes do Uruguai finalmente desembarcaram na Líbia. Mas ambientalistas alertam sobre dezenas de mortes e potenciais cadáveres lançados ao mar, e exigem uma investigação internacional.

O governo uruguaio alegou que houve um desacordo entre o exportador e o importador, e na semana passada informou que o navio retornaria ao seu país, embora tenha especificado que seria tentada a realocação do gado para outro destino.

Com 3,5 milhões de habitantes e 12 milhões de cabeças de gado, o Uruguai tem na produção pecuária, agrícola e florestal sua maior fonte de renda.

Assim como as mais de 265 mil cabeças de gado vivo que durante 2025 partiram para a Turquia, a carga com 2.901 bovinos zarpou de Montevidéu em meados de setembro. No dia 21 de outubro, chegou à costa turca, onde sua entrada foi bloqueada devido a incoerências nos certificados.

O Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai considerou na segunda-feira que com o desembarque no país do norte da África se deu o “fechamento definitivo” do incidente. Embora seja o comprador do gado quem definirá se os animais permanecerão na Líbia ou terão outro destino.

Mas a Fundação para o Bem-Estar Animal (AWF, sigla em inglês) disse nesta terça-feira à AFP que “não há informações confiáveis” sobre o estado sanitário dos animais ao chegarem à Líbia.

– Dezenas de bovinos mortos –

A ONG pediu na segunda-feira que seja realizada uma investigação “imediata” pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) e pela Organização Marítima Internacional (OMI) para conhecer o estado dos bovinos, que suportaram mais de dois meses de confinamento em um navio que não teria condições para uma travessia tão longa.

“Estamos testemunhando uma das violações mais graves da proteção marinha e do bem-estar animal registradas nos últimos anos, e um novo exemplo do fracasso estrutural do transporte de animais vivos por mar”, alertou Maria Boada Saña, veterinária da AWF.

Além de exigir respostas sobre o estado sanitário dos animais na chegada ao porto líbio de Bengazi, a ONG solicitou detalhes sobre como foi procedido com as vacas mortas durante a viagem.

A organização alertou sobre a possibilidade de que tenham sido jogadas ao mar, e mencionou suspeitas geradas pelo fato de o navio ter ficado vários dias da semana passada com seus sistemas de localização desligados. Também recordou que a Líbia é “um país com histórico de abuso ambiental”.

Durante o trajeto Montevidéu-Turquia e alinhado com o que ocorre nesse tipo de viagem, foi informado sobre dezenas de bovinos mortos a bordo.

– “Um calvário” –

O diretor da Ganosan, a empresa uruguaia que acordou a venda para a Turquia, recusou nesta terça-feira (25) responder às consultas da AFP.

Mas na segunda-feira disse a meios de comunicação locais especializados em agro que viveu um “calvário” devido ao bloqueio sofrido pela carga ao chegar ao destino inicial.

Fernando Fernández contou que na semana passada o importador solicitou um novo certificado para entrar com o gado no Marrocos e pediu que o destino fosse mantido em sigilo para evitar problemas com seus concorrentes.

A chegada final à Líbia foi uma surpresa.

Esse país não possui protocolos vigentes com o Uruguai em relação à exportação de gado vivo, explicou Fernández ao programa Valor Agregado.

“Fizemos o que tínhamos que fazer, não fizemos nada fora do comum. Vendemos, (…) colocamos o gado a bordo do navio, o homem [o importador turco, nota da edição] pagou, o homem contratou o navio, o navio partiu e aí terminou nosso negócio e temos as provas”, disse Fernández.

– “História lamentável” –

O empresário agradeceu o encerramento desta “história lamentável” e considerou que, apesar do incidente, o mercado turco continua aberto para o gado vivo do Uruguai.

O governo uruguaio afirmou que o ocorrido não colocava em risco a confiabilidade sanitária do país.

O Uruguai “reforçou seu acompanhamento técnico e diplomático, priorizando o bem-estar animal e preservando a relação bilateral” com a Turquia, declarou o Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca.

Adiantou que seguirá monitorando “as informações remanescentes da viagem e a atualização de eventuais perdas, que ainda não foram comunicadas”.

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