Odessa, na Ucrânia, quer "desrussificar" seu presente

Odessa, na Ucrânia, quer "desrussificar" seu presente

"NomeEnquanto Putin continua bombardeando metrópole no Mar Negro, lei de descolonização provoca controvérsia, com retirada de monumentos e nomes de ruas homenageando heróis imperialistas ou soviéticos.A rua Italiiska (Italiana), inaugurada em 1827, atravessa todo o centro da metrópole ucraniana Odessa, no Mar Negro, da estação ferroviária até a prefeitura. O tráfego é sempre intenso: lá se encontram o consulado italiano, o Teatro Filarmônico, o grande centro comercial e o histórico Hotel Bristol, recentemente danificado por um míssil russo.

Em 1880, nos tempos da Rússia tsarista, a rua havia sido rebatizada em honra ao escritor Alexander Pushkin (1799-1837). Porém em julho de 2024 recebeu de volta o antigo nome, Italiiska, no contexto da descolonização. O monumento ao autor russo, diante da prefeitura, ainda está de pé, mas deverá ser retirado.

A Lei sobre a Condenação e Proibição de Propaganda da Política Imperial Russa na Ucrânia e Descolonização da Toponímia foi uma reação à invasão em grande escala do país pela Rússia de Vladimir Putin, iniciada em 24 de fevereiro de 2022. No entanto, considera-se como real começo da guerra a ocupação da Península da Crimeia e de partes das regiões de Donetsk e Luhansk, em 2014.

Segundo o Instituto Ucraniano pela Memória Nacional, "a política imperialista da Rússia teve como meta, em diversos momentos históricos, a subjugação, exploração e assimilação do povo ucraniano, inclusive sua russificação".

A lei, que entrou em vigor em julho de 2023, estipula que as autoridades locais retirem do espaço público símbolos imperiais como monumentos e nomes de vias e logradouros da época tsarista e da União Soviética. Caso os prazos não sejam cumpridos, a administração regional deve intervir através de portarias, como ocorreu no caso de Odessa.

Figuras locais em vez de heróis imperialistas e soviéticos

Artem Kartashov pertence ao grupo de trabalho da administração regional para descolonização. Visados pela lei são "indivíduos que detinham certos cargos no Império Russo, que participaram do estabelecimento do poder soviética no território da Ucrânia, faziam propaganda para o regime comunista ou para o tsar, propagavam russificação e ucraniofobia, ou participaram da perseguição de membros do movimento de independência ucraniano no século 20".

Esse critério afeta mais de 400 nomes de ruas e 19 monumentos da região de Odessa. Algumas personalidades culturais da metrópole apelaram em carta à Unesco para que se empenhe em que a descolonização seja adiada até o fim da guerra. Um dos signatários é o historiador cultural Kyrylo Lipatov.

"Está claro que os acontecimentos dos últimos dez, e especialmente três anos exigem uma mudança de atitude diante de uma cultura da memória controversa assim." Do seu ponto de vista, porém, "no momento o Estado e a sociedade ucranianos se confrontam com problemas mais urgentes e mais importantes".

Lipatov não acredita que a derrubada dos monumentos vá apagar das cabeças os estereótipos imperiais: em vez disso, deveriam ser erguidas novas homenagens no espaço público, honrado personalidades ucranianas ligadas a Odessa, argumenta.

Seu colega Taras Honcharuk enfatiza que em Odessa há monumentos financiados pela Rússia em homenagem a figuras que, na verdade, nada têm a ver com a história da cidade, enquanto não se relembram ucranianos conhecidos que atuaram localmente.

Ele cita como exemplo negativo o ator, cantor e poeta Vladimir Vysotsky (1938-80) que, apesar da rigorosa censura do regime comunista, abordava temas proibidos. Um monumento em sua memória, erigido nas proximidades do estúdio de cinema local, foi retirado em dezembro: "Ele era um ator moscovita, conhecido em toda a União Soviética, mas que só representou um papel em um filme em Odessa", relata o historiador.

Do seu ponto de vista, quem antes mereceria memoriais seriam ucranianos como o diretor Alexander Dovzhenko (1894-1956), considerado fundador do cinema poético, que rodou seus primeiros filmes em Odessa; ou o diretor e ator Les Kurbas (1887-1937), um dos principais representantes da vanguarda nacional; ou o autor Yurii Yanovsky (1902-54), que na década de 1920 descreveu "a Hollywood ucraniana no litoral do Mar Negro".

Golpe no multiculturalismo ou revitalização?

Para os opositores da descolonização, estaria ocorrendo uma destruição do legado cultural de Odessa. O jornalista Leonid Shtekel organizou ações de protesto, criticando sobretudo se rebatizarem as ruas que homenageiam os escritores soviéticos Valentin Katayev, Ilya Ilf, Isaac Babel e Konstantin Paustovsky, "gente que era o orgulho da cultura de Odessa".

No entanto todos eles seriam objeto da lei de descolonização, confirma o grupo de trabalho encarregado na administração regional. Babel, por exemplo, preenche todos os critérios: no prefácio de sua coletânea de contos Cavalaria Vermelha, ele próprio contou que servira a Tcheka, a primeira polícia secreta russo-soviética. "Ele idolatrava o poder soviético que estabeleceu no território da Ucrânia e perseguia integrantes do movimento de independência", afirma Kartashov.

Após a retirada, os monumentos serão preservados em diversos locais, entre os quais museus e exposições. Kartashov enfatiza que a intenção é impedir a glorificação, enquanto a municipalidade homenageará "quem a propaganda soviética ou imperial um dia quis obliterar". Generais soviéticos, por exemplo, serão substituídos por personalidades da atual guerra na Ucrânia.

Os adversários da descolonização objetam, ainda, que o rebatizado prejudicará o multiculturalismo típico de Odessa. Por sua vez, opositores dessa tese argumentam que justamente a descolonização será uma chance para redescobrir aquele multiculturalismo.

"Odessa prosperou quando era uma cidade multicultural, mas então ela se tornou exclusivamente russófona", reforça Svitlana Bondar, do think tank ucraniano Institute for Central European Strategy, fundado em 2019 em Uzhhorod. Segundo ela, haveria hoje na metrópole muito mais ruas com o nome de representantes de minorias étnicas, e "só com a descolonização vem à tona o multiculturalismo que se perdeu na era soviética".