Considero o bolsonarismo autoritário e populista. Acredito que ele retira a sua energia de alguns dos piores combustíveis da política – a intolerância, o ressentimento, o ódio. Ainda assim, não consigo concordar com a ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes para que as contas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro sejam suspensas no Facebook e no Twitter.

Não há como não ver censura prévia nessa medida. Mantidas as proporções, é o mesmo que empastelar um jornal, como se fazia no século passado. Ou tirar do ar um canal de televisão.

Moraes julga aquilo que ainda nem sequer foi dito. Impede os atingidos de falar de política, mas também de postar fotos de família, memes de gatinhos ou os resultados dos jogos de futebol em suas redes sociais. Se um dos bolsonaristas passar por uma experiência mística nesta noite e acordar purificado e pleno de amor, ainda assim terá de se manter calado. Não faz sentido.

A decisão é ruim por um segundo motivo: ela contamina a discussão sobre a lei das fake news que tramita no Congresso. Adversários do projeto já tratam de igualar as duas coisas, o que não procede.

O texto que saiu do Senado, com relatoria de Angelo Coronel (PSD/BA), não pretende restringir opiniões. Seu alvo é outro: o financiamento e a estruturação de redes clandestinas de propaganda política. O objetivo do projeto é manter o jogo limpo e transparente, e não cercear discursos. Pode-se questionar os meios técnicos para atingir esse fim. Deve-se escrutiná-los, para que não tenham efeitos colaterais perniciosos. Mas não é correto dizer que o projeto de lei pretende instituir a censura. Se ele eventualmente for derrubado, que não seja por essa razão.

No campo da liberdade de expressão, já escrevi aqui, acredito em restrições mínimas. Admiro o modelo americano que, ao menos até hoje, garantiu espaço até para as ideias mais grotescas. Não é esse o caminho da legislação brasileira. Ela não aceita discursos que ameaçam a ordem política e as instituições brasileiras. Por isso, entendo que são legítimas as investigações do Supremo Tribunal Federal e da CPI das Fake News sobre as redes de bullying digital aparentemente criadas pelo bolsonarismo.

Quando se tira uma conta de rede social do ar, no entanto, bane-se não um discurso, mas a possibilidade de qualquer discurso. Quero crer que isso a Constituição não aceita.