Andar por São Paulo e olhar para cima: uma prática comum entre turistas, mas talvez pouco valorizada pelos que caminham pelas mesmas ruas todos os dias. Mas, ao mesmo tempo e sob diversas perspectivas, a cidade construiu em si mesma ao longo dos últimos 60 anos uma oferta ampla de obras referenciais, projetos arquitetônicos únicos, murais – e, claro, sem se esquecer do grafite, processo efêmero que encontra na contínua renovação a força estética que hoje é parte integrante da cidade.

Uma das artistas com mais obras marcantes na cidade é Maria Bonomi, italiana radicada no Brasil, autora de murais e esculturas. Aos 85 anos recém-completados, a artista está em isolamento no interior, dedicando-se à arte e à leitura.

“O ambiente pede por obras de arte, principalmente em uma cidade tão estabanada quanto São Paulo, na qual não conseguimos manter uma urbanização organizada. É necessário um tratamento visual, até para consertar certas tragédias que vemos por aí. Uma empena (parede lateral de um edifício, sem abertura) enorme vazia, em que não se fez nada, é um desperdício”, diz Bonomi, por telefone.

A artista explica que as obras em prédios, por exemplo, sempre são mais ricas quando planejadas de maneira conjunta com a construção. “Os custos são muito relativos. Cobrir uma grande empena com lajotas é tão ou mais caro do que fazer um painel”, conta. O importante, para ela, é como a obra de arte vai se relacionar com o ambiente ao seu redor. “A obra é pensada e criada para o lugar. Estudamos a luz, o movimento das pessoas, o espírito da região, a cosmogonia local, e aí se pensa o DNA que o trabalho terá de ter para estar naquele lugar.”

Ela conta que recentemente uma mulher entrou em contato perguntando se ela sabia das intervenções realizadas na fachada do edifício Jorge Rizkallah Jorge, na Rua Bela Cintra, um mural seu. “Eu havia sido consultada, mas achei um bom indicativo de como as pessoas se ligam nessas coisas, de como é importante para a cidade. Existe um convívio diário com a obra, o que cria uma percepção e até um alívio. As pessoas passam a criar referências com a arte, e não com shopping. Não temos em São Paulo ruínas históricas, mas temos milhares de obras.”

O NaLata Festival Internacional de Arte Urbana, acontecendo agora em vários pontos da capital, pretende contribuir na discussão. Os grafites e as atividades ocorrem nos arredores do Largo da Batata. Entre os artistas convidados, estão Pri Barbosa, Alex Senna, Enivo e a colombiana Gleo.

Um bom guia para quem está buscando novas visões sobre as obras espalhadas pela cidade é o site Arte Fora do Museu, agora reformulado. Quando os jornalistas André Deak e Felipe Lavignatti criaram o projeto há cerca de 10 anos, a ideia era montar um catálogo com 100 obras na cidade de São Paulo. Com a pandemia e o fechamento temporário de museus e galerias, o site (arteforadomuseu.com.br) ganha mais uma camada ao permitir a visitação virtual de cerca de 2 mil obras em ruas, feitas por mais de 500 artistas.

Ali, o internauta vai encontrar diversos guias e roteiros, como alguns dos sugeridos abaixo, com murais, esculturas, projetos arquitetônicos, e claro, o grafite. Lavignatti conta que o que começou como uma catalogação foi ganhando outras funções, de maneira orgânica. “O nome é auto explicativo: existe arte fora do museu para ser acessada. É muito comum passar em frente a uma escultura e não saber o que ela representa. A gente traz essa camada de informação e a deixa visível no mundo digital. Imaginando que a cidade é um museu a céu aberto, o site é o guia desse acervo. São informações que apuramos e que também têm um esforço colaborativo,” explica.

O curador percebeu que é “impossível” ir de um ponto a outro da cidade sem passar por uma obra de arte. “Uma cidade desse tamanho, montada em concreto, é cenário de iniciativas arquitetônicas e intervenções importantes de grandes nomes, como a própria Bonomi, mas também Artacho Jurado, Niemeyer, Rino Levi, Paulo Mendes da Rocha. Uma cidade em crescimento é bom terreno para se criar essas obras.”

A discussão do momento nesse assunto, sobre as estátuas que ocupam o espaço público com homenagens a escravocratas, também pode se beneficiar do Arte Fora do Museu, que provê contexto para os monumentos. “Existe toda uma logística, mas acredito que hoje essas obras caberiam mais em um museu que em uma homenagem a céu aberto”, diz Lavignatti.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.