Em sua coleção Clássicos da Literatura, além de Machado de Assis, a Editora da Unesp pretende publicar outros 10 autores neste ano. Entre eles, José de Alencar, Scott Fitzgerald e Molière. Não se trata só de obras consideradas clássicas – títulos de décadas e séculos passados revelam realidades longínquas que, à primeira vista, podem parecer desconectadas da atualidade. Mas, depois de apresentar seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre contos de fadas antigos originais, Marina Ávila percebeu o contrário: havia muito interesse de pessoas próximas em ler as histórias macabras e sombrias da época. “Isso me ajudou a ver que várias pessoas gostavam desse tipo de literatura, de descobrir o passado”, diz a produtora editorial.

Foi a partir dessa experiência que decidiu fundar a Editora Wish. O livro que estabeleceu a personalidade da editora foi Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, de Thomas Peckett Prest, que ainda não havia sido publicado no Brasil. “Assim descobrimos o quanto era legal publicar os livros antigos, mas não só os clássicos – e, sim, os raros”, pontua. Por meio de um financiamento coletivo conseguiram fazer a publicação.

Foi por meio desta campanha que o museólogo Kássio Alexandre Paiva Rosa, 31, teve contato com o universo das histórias antigas. Foi uma resposta à sua curiosidade de entender como eram consumidas a cultura e a arte em outros tempos. “Hoje, pode parecer meio cult, um consumo não hegemônico, mas esse tipo de literatura era o Netflix da época, era o consumo das massas”, diz.

Na Wish, Marina prioriza na curadoria obras que se conectem com o mundo atual. E acredita que, apesar da distância do tempo, a conexão com as histórias pode ser a mesma. “A filosofia por trás de vários livros é parecida com o que a gente vive hoje, e conseguimos nos conectar com os personagens da mesma maneira. Isso demonstra que todos nós somos muito parecidos, mesmo tanto tempo atrás”, afirma. “O objetivo é que seja uma redescoberta do passado e uma aventura para os leitores.”

Aliar as grandes histórias da literatura mundial aos recursos da atualidade: essa é a estratégia da Editora Antofágica. Seu slogan sintetiza a ideia: “clássicos para novos tempos”. “Respeitar, mas interpretar o livro dentro da modernidade, do que estamos passando, da cultura contemporânea, que evoca a estética da Netflix e envolve o mundo digital”, resume Daniel Lameira, diretor criativo nas editoras Antofágica e Aleph. É a alquimia que combina o passado da escrita com o presente dos posfácios, ilustrações de artistas com linguagens visuais contemporâneas e aulas que acompanham cada obra. “É quase como coprotagonizar a edição”, analisa.

A modernização pode ganhar mais importância em um cenário em que os pré-adolescentes de 11 a 13 anos somam 81% dos leitores. É a faixa etária que mais lê no país, apontou a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em 2020. Na categoria geral, pouco mais da metade da população (52%) tem hábitos de leitura, com a média de livros lidos por ano de 4,2 por pessoa.

“Outras edições cumprem um papel importante de ter o texto limpo, nossa intenção é ocupar outro espaço que é possível”, pondera Lameira. Cada edição tem cerca de quatro textos extras e a carta de um apresentador. Este último papel já foi ocupado pelo ator e humorista Gregório Duvivier, na obra 1984. O intuito é gerar essa proximidade, apresentar um leitor a outro.

O estudante Francisco sentiu o impacto em suas leituras. Ele percebe que as ilustrações complementam seu entendimento e o ajudam a imaginar a história. “Foi uma leitura muito diferente, as ilustrações e os textos complementares me fizeram correr atrás de pesquisar algumas coisas, a história ficou mais esclarecida”, conta.

O impacto tem sido percebido nos números. A edição da Antofágica de Dom Casmurro vendeu, só na pré-venda, 6 mil exemplares. O grupo no Telegram conta com 2,5 mil pessoas, que conversam sobre literatura clássica. “Conseguimos nos conectar com as pessoas no YouTube, com a linguagem da plataforma”, exemplifica. “A possibilidade de conversar no mundo digital faz parte da concepção e da própria escolha do livro.”

Foi ao modernizar o diálogo com obras clássicas que a Antofágica construiu uma comunidade em torno da leitura: a “cidade” Antofágica tem prefeito e até a Gazeta Antofagense, que descontraidamente conta sobre a chegada dos novos “moradores”, os autores consagrados. A Editora Wish presenciou o mesmo entre seus leitores. “As pessoas têm confiança na nossa curadoria”, diz Ávila.

Isso está conectado à mentalidade de uma época. A importância da criação de comunidades é apontada pela WGSN, empresa líder em tendências, como uma forte tendência entre consumidores para 2022. Este grupo chamado de “comunitários” é composto principalmente por Millennials e pessoas da Geração X. O museólogo Kássio participa de grupos virtuais da Antofágica e da Wish. “Leitura pode ser algo muito solitário, mas quando temos a oportunidade de ter essas trocas é muito rico”, diz.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.