Com o objetivo de melhorar o fluxo de trânsito e reduzir o número de acidentes, o governo de São Paulo decidiu fazer uma obra de ampliação da rodovia Raposo Tavares. O projeto pretende ampliar faixas e incluir seis pórticos de pedágio entre a capital e Cotia, cidade localizada na região metropolitana de São Paulo. O trecho em questão é urbano e considerado um dos principais gargalos de trânsito na zona oeste da capital paulista, principalmente durante o horário de pico.
Com a justificativa de acelerar o processo, o governo do estado resolveu entregar a obra e a elaboração do projeto para a iniciativa privada. No dia 28 de novembro de 2024, a empresa de infraestrutura EcoRodovias ganhou a concessão da Nova Raposo com uma proposta de R$ 2,19 bilhões. O leilão, que ocorreu na B3 (a Bola de Valores de São Paulo), foi marcado pelo protesto do movimento “Nova Raposo, Não!”, formado por representantes de associações de moradores da região do Butantã, Granja Viana e da cidade de Cotia.
Em entrevista à IstoÉ, Fabíola Lago, coordenadora do movimento “Nova Raposo, Não!”, classificou a obra como um “anteprojeto” do governo, pois vai na contramão “de todos os países que atuam contra a crise climática, desestimulando o uso individual do automóvel e estimulando o transporte de massa”.
Fabíola explicou que 0 trecho de São Paulo até Cotia deixou de ser apenas uma rodovia há muitos anos e acabou se tornando uma grande avenida repleta de bairros. “O anteprojeto vai pegar sete parques municipais com ao menos oito córregos e diversas nascentes importantes, além do Parque Estadual Juquitiba. Haverá a destruição do corredor maravilhoso de árvores que tem no Butantã, considerado um dos bairros mais arborizados de São Paulo, e trará uma infraestrutura cinza para a região”, afirmou.
Impactos
Sérgio Reze, representante da associação dos moradores do Parque da Previdência, corrobora o entendimento de Fabíola e ressaltou que os possíveis impactos da obra não foram apresentados à população. “As autoridades dizem que em uma etapa posterior deve ser feito o Estudo de Impacto Ambiental, mas o trecho da rodovia já foi concedido para a iniciativa privada, o que é muito estranho”, disse.
Um levantamento feito pela Mira Pesquisa, empresa contratada pelo movimento, apontou que 63% dos entrevistados desconhecem a proposta do governo estadual. Já, entre os que afirmaram ter conhecimento sobre o caso, 69% responderam que a iniciativa vai causar impacto na vida da população. Desse total, 30% disseram que o principal efeito deve ser o desmatamento e redução dos parques. Outros 23% apontaram melhorias no trânsito como fator primordial. Já 20% destacaram o impacto financeiro com a criação de novo pedágios, 14%, desapropriação de moradias, e 13%, piora na saúde devido a mais poluição.
Referência no debate sobre Planos Diretores, o vereador Nabil Bonduki (PT) – que também é arquiteto e urbanista – afirmou à IstoÉ que o projeto estimula o uso de carro e emissão de gases poluentes. Para ele, a solução a curto prazo seria o investimento em corredores de ônibus, no intuito de facilitar o transporte da população para a estação Butantã do Metrô.
Além dos gases poluentes, Bonduki teme consequências devido à retirada da vegetação local, pois será preciso “fazer grandes obras de contenção de movimento de terra, porque existe um desnível grande entre a rodovia e as vias paralelas e laterais”, explicou.
Rafael Castelo, professor de engenharia civil da PUCSP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) tem posição intermediária. Diz entender que é necessário observar como a rodovia deve entrar na malha urbana e se integrar à urbanização da cidade. Porém ressaltou que tanto o governo estadual quanto a Prefeitura de São Paulo fazem “a lição de casa” investindo no transporte público. “Penso que são esforços conjuntos e contínuos, de atender sim sistemas rodoviários que facilitam a logística urbana conjuntamente com ampliação do transporte publico”, acrescentou.
Iniciativa política
O movimento “Nova Raposo, Não!” aponta falta de diálogo com o poder público. Por conta disso, solicitou audiências públicas que, segundo o grupo, não aconteceram. Então resolveram fazer uma iniciativa na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). O caso chegou ao conhecimento do deputado estadual Enio Tatto (PT), que convocou uma audiência pública, realizada no dia 4 de dezembro, depois da concessão do projeto à iniciativa privada.
“Como que a empresa que vai explorar o local também vai fazer o projeto executivo? Deveria haver um projeto do executivo para depois ter um grande debate com a população e com a Alesp. Mas fizeram o contrário”, relatou à IstoÉ.
Já o deputado estadual Paulo Mansur (PL) defendeu a iniciativa do governo por considerar que ela pode solucionar o gargalo na rodovia. O parlamentar ressaltou que ouviu o grupo de moradores durante a audiência pública na Alesp e entende a preocupação. No entanto destacou que as dúvidas levantadas estão sendo consideradas pela administração governamental.
“As desapropriações? Estão previstas o mínimo de remoções possíveis. Vão ser contempladas todas as compensações ambientais em casos de supressão de vegetação. Os pedágios, outra grande preocupação, não vão ser cobrados nas marginais, rota que os moradores podem utilizar. E na pista, o sistema vai ser o free flow, que cobra por km rodado, uma forma bem mais justa de cobrança, no meu ponto de vista. Diante de tudo isso, acredito que tudo caminha de forma democrática e justa e, apesar das polêmicas, essa á uma obra que vai beneficiar muito o Estado”, afirmou.
Indagado sobre a reclamação de que o governo não teria conversado com a população, o parlamentar disse que foram feitas quase 2 mil contribuições durante o período de consulta pública e audiências realizadas em São Paulo e Vargem Grande Paulista, além da Alesp. “A Secretaria de Parceria e Investimentos teve reuniões com as Prefeituras das cidades que serão atendidas para apresentação da proposta e ajustes ao projeto e também dialogou com representantes do movimento ‘Nova Raposo, Não!’”, afirmou. “Veja bem, dialogar não significa ter que acatar tudo que os críticos propõem. É ajustar e chegar a um meio termo que atenda a todos”, completou.
Agora que o projeto já foi concedido à iniciativa privada, cabe aos deputados estaduais – em parceria com os vereadores – acompanhar os próximos passos. A EcoRodovias ganhou o direito de administrar o trecho da Raposo Tavares pelos próximos 30 anos. Procurada pela reportagem, a empresa afirmou que não se manifesta porque ainda não assumiu o controle da área.
O que diz o governo
A SPI (Secretaria de Parcerias em Investimentos) comunicou que o governo realizou um amplo processo de consulta pública e reconhece a importância de ouvir a sociedade e os grupos interessados no projeto. “O governo também realizou visitas e conversas com todas as prefeituras envolvidas no projeto e mantém um diálogo constante com os diferentes grupos da sociedade, incluindo os organizadores do movimento ‘Nova Raposo, Não!’, que foram recebidos mais de uma vez para discutir o projeto e suas preocupações”, informou.
Em relação aos possíveis impactos ambientais, a pasta destacou o “compromisso em buscar soluções que conciliem o desenvolvimento urbano com a preservação ambiental. Esse tema será amplamente debatido em audiências públicas específicas para o processo de licenciamento ambiental antes do início das obras”, finalizou.