A eleição do juiz conservador Ebrahim Raisi, de 60 anos, para a presidência do Irã, significou a vitória dos clérigos do Islã xiita sobre os dois outros grupos que disputam o poder no país: a Guarda Revolucionária e a burocracia estatal. É um radical conservador que afasta o país de qualquer chance de abertura política, mas especialistas acreditam que há a possibilidade de ele atuar pragmaticamente em relação ao tema mais delicado no Oriente Médio: poderá negociar a volta do Irã ao acordo nuclear com o Ocidente.

Esse acordo estratégico, que visava impedir o desenvolvimento da bomba atômica, havia sido selado a duras penas pelo ex-presidente americano Barack Obama. Donald Trump implodiu o pacto por razões eleitorais e para se aliar à estratégia linha-dura do ex-premiê Benjamin Netanyahu. Com os ex-líderes radicais dos EUA e Israel derrotados, a Europa e o novo presidente Joe Biden voltaram a apostar em um acordo de longo prazo que limite a ameaça iraniana e permita maior estabilidade à região. Após sua eleição, Raisi negou-se a dialogar com o presidente dos EUA, Joe Biden. Mas as negociações em andamento na Áustria, longe dos holofotes, podem indicar o caminho para um novo entendimento. O fato de que o novo presidente seja um linha-dura do regime pode, inclusive, garantir um novo consenso.

LINHA-DURA Mulheres xiitas comemoraram a vitória em Teerã (Crédito:The New York Times)

Analisas destacam que o objetivo principal de Raisi é manter o status quo dentro da sociedade iraniana. O Irã sofre com a recessão desde 2018, quando os EUA decretaram sanções econômicas, e ficou extremamente dependente da China — praticamente a única aliada externa do país. Além disso, a sociedade iraniana foi muito atingida pela pandemia, com mais de 82 mil mortos. A taxa de desemprego, ao redor de 15%, atinge os mais jovens, que questionam a falta de oportunidades e querem mudanças. Raisi, aos olhos da teocracia xiita, manterá o regime e fará a transição quando o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, morrer. Khamenei está com 81 anos.

“Khamenei quer limitar o poder da Guarda Revolucionária e ao mesmo tempo manter a influência dos clérigos. Por isto, a candidatura de Raisi foi o desfecho lógico. Desde 2008, quando a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad foi questionada, os protestos contra o regime cresceram”, diz Gunter Rudzit, professor de Relações Internacionais na ESPM. A candidatura de Ahmadinejad foi desclassificada pelo Conselho dos Guardiães, que reúne 12 juristas e teólogos. O sistema eleitoral no país representa uma democracia de fachada. É um processo viciado, feito para viabilizar apenas nomes que agradem ao establishment religioso e, em especial, aos interesses de Khamenei. No total, o Conselho desclassificou 600 pré-candidatos a presidente. Apenas sete puderam concorrer. A abstenção nas eleições de 18 de junho foi gigantesca, só 49% dos eleitores foram às urnas. O novo presidente foi eleito por 61,95% deles, liquidando a disputa no 1º turno. Raisi assume a presidência em agosto, quando o atual mandatário, o reformista Hassan Rohani, passar o cargo. Como a economia afundou após 2018, Rohani é muito impopular.

“No Irã, a discussão política só acontece dentro do governo islâmico xiita. A comparação mais aproximada seria com o modelo chinês”, diz o cientista político André Lajst. Segundo ele, Raisi foi o braço-direito de Khamenei durante anos. “Como conservador, é alguém que certamente não fará concessões às mulheres e aos políticos da esquerda. O regime iraniano é um Estado policial, com um projeto de expansão hegemônica no Oriente Médio”, comenta.

Passado sombrio

Conhecido como “carniceiro de Teerã”, Raisi será o primeiro presidente do Irã que sofreu sanções do governo dos EUA por violações aos direitos humanos. A Anistia Internacional estima que em 1988 pelo menos 3.800 presos políticos foram executados, quando Raisi era promotor da capital iraniana. Segundo o Departamento de Estado, ele foi um dos três dirigentes políticos responsáveis pelas torturas e matanças.

Raisi nega as acusações. O clérigo foi cumprimentado por dois líderes autoritários após a vitória eleitoral: o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o líder da Turquia, Recep Erdogan. “A situação socioeconômica iraniana é muito difícil. Por isto, Raisi deverá ter uma abordagem pragmática com o Ocidente”, prevê Rudzit, da ESPM. Espera-se que pelo menos o fantasma nuclear seja afastado já que, com o seu passado complicado, o novo presidente representa uma nova fonte de preocupações para a comunidade internacional.