Sucesso absoluto de crítica e público, a minissérie “O Gambito da Rainha”, produzida pela Netflix, quebra os paradigmas de gênero ao dar destaque a uma personagem feminina que brilha em um universo dominado pelos homens há séculos: o xadrez. Baseada no livro homônimo do escritor americano Walter Trevis, a trama conta a história de Elizabeth Harmon, jovem órfã que perde a mãe em um acidente de carro e encontra no tabuleiro uma
paixão capaz de transcender as adversidades da vida.

“Alguns alunos voltaram a ter aulas só por causa da minissérie. Ajudou muito o xadrez” Mauro Amaral, enxadrista e árbitro internacional (à esq.) (Crédito:Rodrigo Zaim )

A produção já foi assistida por mais de 62 milhões de pessoas e tornou-se primeiro lugar na audiência em mais de 60 países. Além do lado lúdico, o enredo aborda diretamente a questão do machismo, uma vez que a maior parte da trama se passa no conservador meio-oeste americano em meados dos anos 1950. Se a igualdade entre os sexos ainda não foi atingida plenamente nos dias de hoje, imagine como a situação era desigual há 70 anos.

A popularidade da minissérie tem trazido consequências culturais interessantes. Segundo relatório do Google Trends, que mapeia as buscas online, a procura por temas relacionados ao xadrez disparou em mais de 150% no último mês — 73% desse público é composto por mulheres. Os especialistas no esporte confirmam o fenômeno. “A série está ajudando muito. Se não fosse a pandemia, teríamos aumentado em 100% o número de alunos”, afirma Mauro Amaral, árbitro internacional e dono da Escola Xadrez Total, em São Paulo. “Alguns alunos voltaram a ter aulas só por causa da minissérie.”

Esporte

Estima-se que a prática tenha surgido no século VI, com o nome de “shaturanga”, que significa “os quatro elementos de um exército”, em sânscrito. O jogo foi levado então para a China e para a Pérsia, onde foi batizado de “xadrez” graças à tradução da palavra “rei” em persa (“shah”). A presença masculina sempre foi maior desde a época, e é por isso que o protagonismo feminino em “O Gambito da Rainha” coloca holofotes sobre as jogadoras.

“Quem falava que xadrez era jogo de nerd agora está fazendo perguntas e querendo saber como se joga”, afirma Samuel Boanerges, professor da Escola Xadrez Total. “A série conseguiu despertar curiosidade nas pessoas como poucos filmes fizeram. Tem gente que já vislumbra uma carreira profissional.”

Apesar do sucesso, o xadrez é pouco valorizado no Brasil. Enxadristas, os jogadores profissionais, não recebem grande incentivo de organizações esportivas. “O incentivo ao xadrez profissional deixa muito a desejar. Algumas federações do País possuem ‘bolsa-atleta’, mas varia muito de estado para estado”, afirma Jayme Amorim de Miranda Neto, Presidente da Liga Brasileira de Xadrez. “O xadrez poderia ser usado como ferramenta pedagógica em muitas escolas.”

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Tecnologia

A tendência de popularização do xadrez é mundial. Segundo o “Decode Buzz”, site especializado em análises de buscas, houve um aumento de 40% nas buscas por jogos de xadrez online nos últimos dois meses. “Meu site teve recorde de visitas depois da série”, disse Rafael Leitão, grande mestre de xadrez e dono de uma plataforma especializada em cursos e videoaulas. “Os interesses vão desde materiais básicos até os mais avançados”, afirma.

Em 11 de maio de 1997, o russo Garry Kasparov, jogador mais jovem a se tornar campeão mundial de xadrez perdeu para o Deep Blue, um computador criado pela IBM. Apesar da derrota do ser humano para a máquina, o episódio ajudou na popularização do esporte. “O Gambito da Rainha” parece ser o “Deep Blue” dessa nova geração, mas com uma grande diferença: em vez de valorizar a tecnologia, a minissérie da Netflix mostra que as mulheres podem jogar com os homens de igual para igual.


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