Raras são as pessoas capazes de antever o futuro. São guardiãs de grandes qualidades: permitir-se liberdade criativa, ambição, suor e, claro, inteligência privilegiada. O designer de moda italiano ­— naturalizado francês — Pierre Cardin reúne todas elas e ocupa a privilegiada lista de visionários que foram capazes de, literalmente, mudar o mundo. Para reconhecer esse talento, o Museu do Brooklyn, em Nova York, montou a exposição “Pierre Cardin: Future Fashion”, sobre quase sete décadas de seu trabalho. Conta com mais de 170 itens, como peças originais, roupas, acessórios, vestidos, móveis, esboços, filmes e fotografias pessoais de Cardin, proporcionando um verdadeiro mergulho principalmente no estilo parisiense das décadas de 1960 e 1970. E não é por acaso que essa mostra, em uma das regiões mais famosas do mundo, acontece no mesmo ano em que se comemora 50 anos da chegada do homem à lua. “Ele criou roupas com ideia de futuro. Cardin se inspirou na linguagem da corrida espacial e influenciou o comportamento das pessoas com novas dinâmicas”, diz João Braga, professor de história da moda e autor de livros sobre o tema.

EMPREENDEDOR Pierre Cardin posa para a capa da “Time” em 1974: toalha, barbeador, poltrona e espelho de sua grife (Crédito:Divulgação)

Desconstrução

Além de inovar a forma de se vestir, Cardin foi responsável pelo surgimento de outros grandes nomes da moda, como o estilista francês Jean-Paul Gaultier. Na década de 1970, quando completou 18 anos, Gaultier conseguiu seu primeiro emprego no atelier de Cardin, como seu “catador de alfinetes”, como diz o jargão da moda. Ali aprendeu que para ser um grande “Coutourier” ( “costureiro”, em francês) era preciso aprender a desconstruir.

Nascido Pietro Cardin em San Biagio di Callalta, no Vêneto, em 1922, Cardin começou sua carreira já fazendo história. De 1946 a 1949 trabalhou na Dior como uma espécie de chefe do setor de modelagem. Ali participou da confecção da coleção “New Look”, que se tornou uma das mais famosas do mundo. Na década de 1950, fundou seu próprio ateliê, onde desenhou figurinos e máscaras para teatro e quatro anos mais tarde criou o “vestido bolha”, um sucesso global devido a sua originalidade. Em 1959, inovou novamente ao não se restringir às peças da Alta Costura e criar sua primeira coleção “prêt-à-porter”, que em francês quer dizer “pronto para vestir”. As peças foram colocados à venda por preços acessíveis na loja “Printemps” e, por não ter previamente comunicado a decisão à Chambre Syndicale de la Haute Couture (a Câmara Sindical da Alta Costura), Cardin foi expulso da instituição.

Na década de 1960, lançou o estilo unissex, vestiu os The Beatles em ternos sem gola, criou a coleção “Cosmocorps”, e inventou o tecido “Cardine”, feito a partir da fibra sintética dynel e que permitiu designs em 3D. “Cardin modificou completamente a moda masculina, com cortes aerodinâmicos e novas tecnologias têxteis. Um exemplo é o abotoamento com zíper em paletós, com fechamento mais veloz que botões”, diz o professor João Braga. Além de ter investido em uma marca de restaurante, o “Maxim’s”, foi um vanguardista da globalização ao fazer suas peças chegarem para o mundo inteiro, como Japão, Rússia e a China Comunista. Hoje aos 97 anos, segue inebriando o mundo com suas criações: “Desenhar é minha droga, o que me permite sonhar.”