Mandetta tem conseguido unificar as ações de combate ao vírus em todo o Brasil e colocar a máquina pública para funcionar com alguma harmonia, tornando a situação de pandemia mais controlável. E, enquanto avança nessa missão estratégica, cuja função é salvar o maior número de vidas no curto prazo, o presidente procura, em todo momento, sabotá-lo e instalar um clima de divergência e insegurança no governo, inclusive com ameaças de demissão.

Ao longo da semana, Bolsonaro tentou esvaziar a influência do ministro e desautorizá-lo várias vezes. A principal diferença entre os dois é a recomendação de distanciamento social, o isolamento das pessoas em casa para impedir que o coronavírus se propague. De maneira irresponsável, o presidente insiste em defender a volta de todo mundo ao trabalho, o que levaria a uma espiral de contágio. O ministro da Saúde é contra essa intenção e mantém as orientações de restringir a circulação de pessoas em todo o País. No domingo 29, Bolsonaro, contrariando Mandetta, foi passear nas zonas comerciais de Taguatinga e Ceilândia, em Brasília, criando aglomeração, lançando perdigotos e encostando as mãos nas pessoas. Um dia depois, o presidente decidiu tirar a autonomia de Mandetta e centralizou as entrevistas diárias sobre a evolução da pandemia no Palácio do Planalto, além de estabelecer o controle das notas informativas do ministério pela Secretaria de Comunicação da Presidência.

Bolsonaro age movido por interesses políticos secundários e preocupado exclusivamente com sua perda de prestígio e influência

Na terça-feira 31, participaram da entrevista, junto com Mandetta, os ministros da Infraestrutura, Tarcisio Freitas, da Cidadania, Onyx Lorenzoni e da Casa Civil, general Walter Braga Netto. A possibilidade de demissão de Mandetta, mais uma vez, foi mencionada, mas Braga Netto negou essa intenção. “(Quero) deixar claro para vocês: não existe essa ideia de demissão do ministro Mandetta. Isso aí está fora de cogitação. No momento. Tá certo? Não existe”, disse o ministro da Casa Civil. Mandetta tomou a palavra em seguida e ironizou a fala de Braga Netto: “Em política, quando fala ‘não existe’, a pessoa já fala ‘existe’”. Seja como for, o ministro, diante do novo comitê de crise, não mudou o tom de seu discurso e manteve suas posições inalteradas.

Interesses políticos

Bolsonaro insiste em agir por conta própria e falar coisas contrárias às que dizem Mandetta e os técnicos do Ministério. O ministro trabalha, por exemplo, alinhado com os governadores, que têm sido sistematicamente criticados pelo presidente, em especial João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, por causa das medidas restritivas. Bolsonaro age movido por interesses políticos e preocupado exclusivamente com sua perda de prestígio e influência. Na terça-feira à noite, o ministro foi surpreendido por médicos amigos que trabalham na linha de frente contra o coronavírus e lhe perguntaram se ele compareceria a uma reunião na Presidência no dia seguinte para tratar do uso da cloroquina no combate à doença. Mandetta disse que não iria porque não havia sido convidado. Além disso, criticou o fato de se tratar de uma reunião presencial num momento em que se recomenda a todos para evitarem deslocamentos. Depois do encontro, Bolsonaro declarou que a cloroquina “é quase uma realidade, é bastante palpável”. O ministro, porém, mantém a prudência. “Só trabalho com a academia, com o que é ciência”, disse, sem mencionar a cloroquina. “Agora existem as pessoas que trabalham com critérios políticos, que são importantes. Deixem que eles trabalhem, não tenho porque, não me ofende em nada”.

O mandatário fustiga Mandetta e sabota as políticas públicas do próprio governo. Outra tática do presidente é estimular apoiadores a criticar o ministro. O último foi o deputado federal e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, que é médico e rejeitou as medidas restritivas. Outro médico do governo que tolera o comportamento tresloucado de Bolsonaro é o diretor-presidente da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, que estava ao seu lado no ato pró-governo no dia 15 de março. Na ocasião, Bolsonaro se aproximou dos manifestantes, fez selfies e tocou nas pessoas. Enquanto isso, Barra Torres filmava tudo com seu celular. Por outro lado, nos bastidores do governo, alguns ministros uniram-se à Mandetta. É o caso de Sergio Moro, da Justiça, e de Paulo Guedes, da Economia, que apóiam as medidas de distanciamento social. Setores militares também se mostram descontentes com a posição de Bolsonaro e defendem Mandetta.

Os ministros Sergio Moro e Paulo Guedes e até setores militares apóiam as medidas de isolamento defendidas por Mandetta

Comportamento irresponsável

Algo que preocupa o presidente no atual cenário é a perda de influência das hostes bolsonaristas na Internet nesses tempos de peste, quando as pessoas estão preocupadas com coisas realmente sérias. Bolsonaro está condenado a falar absurdos porque descobriu que quando modera o discurso perde audiência. A gota d’água na sua crise nas mídias sociais foi a retirada do ar, pela primeira vez, de duas postagens suas que exibiam cenas do seu passeio em Brasília. Bolsonaro foi penalizado pelo Twitter, pelo Facebook e pelo Instagram, por propagandear e estimular comportamentos irresponsáveis, que colocam as pessoas em risco. Nesse momento, a única direção que o governo pode tomar é cuidar dos brasileiros e salvar o máximo de vidas. Em vez disso, perde-se tempo com questões políticas secundárias e com a perseguição a um ministro eficiente . Como seu filho do meio, o vereador Carlos Bolsonaro, coordenador do gabinete do ódio montado na Palácio do Planalto, o presidente acredita que as medidas de combate à peste fazem parte de um projeto esquerdista. Pelo Twitter, Carlos declarou que “o desenho é claro: partimos para o socialismo. Todos dependemos do Estado até para comer, grandes empresas vão embora e o pequeno investidor não existe mais. Conseguem a passos largos fazer o que tentam desde antes de 1964. E tem gente preocupada com a fala do presidente”. Pai e filho vivem num lugar estranho em que impera a desumanidade. E diante de tanta loucura e má fé, Mandetta realmente corre risco de perder o cargo.

“O povo tem que trabalhar”
Enquanto o ministro defende o isolamento social, Bolsonaro vai para as ruas sabotar as políticas públicas