Quando uma pessoa é diagnosticada com câncer terminal há duas possibilidades: entregar-se à lamúria ou à vida. Optar pela segunda alternativa no momento em que a doença toma conta de seu corpo é uma das maiores provas de coragem que um ser humano pode dar. E foi essa pequena palavra de três sílabas (co-ra-gem) que o americano Jay Hewitt, 39 anos, incorporou ao seu próprio DNA quando soube que é portador de câncer cerebral e decidiu concluir a maior maratona de sua vida para inspirar sua filha, Hero, de sete anos. Jay nadou 4 quilômetros, pedalou por mais 180 e, por fim, correu 42 quilômetros na chamada Ironman. A linha de chegada não era somente o fim de uma prova de resistência, já que concluí-la foi a maneira que ele vislumbrou para mostrar a Hero que todos os obstáculos podem ser ultrapassados. No fim, ele só queria dizer: “filha, sonhe grande e nunca perca a esperança”.

A história de Jay ganha contornos ainda mais inspiradores quando questões para além da maratona vêm à tona. Tudo estava pronto para que ele calçasse o par de tênis de corrida e tomasse as ruas no ano passado. Um terrível e letal vírus, no entanto, foi mais veloz e enclausurou o mundo. Jay, por sua vez, não quis desistir. Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Isso vale para a química, mas vale para a humanidade também. Jay entrou em contato com os organizadores do evento, e eles, comovidos com a sua história, encontraram uma solução: o portador de câncer cerebral faria a prova de maneira virtual em sua própria cidade – Newport Beach, na Califórnia. “Pude projetar o meu percurso e traçar a linha de chegada diante da minha garagem”, diz ele. “Eu sabia que me daria a sensação de voltar para casa”. Vale lembrar que a conhecida e temida Ironman é uma das mais duras provas de resistência em todo o mundo. Atletas trabalham no limite de exaustão percorrendo quilômetros e quilômetros em três diferentes modalidades: nado, corrida e ciclismo. Competidores que treinaram de maneira fatigante chegam a desistir da triathlon em meio à prova. Se a situação descrita já esgota gente saudável, imagine um doente terminal.

“Minha filha e minha esposa estavam segurando a fita de chegada, diante da minha garagem. Eu então pensava enquanto corria: ‘estou voltando para casa’.”

FAMÍLIA A esposa, Natalie, com Hero no colo: inspiração de vida (Crédito:Divulgação)

Apesar de ter treinado ao longo de cinco anos, Jay quase não conseguiu completar a prova. Os efeitos da quimioterapia e os inúmeros medicamentos lesaram o seu estômago e, durante o certame, ele passou mal, sentiu forte dor de cabeça e vomitou. Mas nada iria pará-lo: “Minha filha e minha esposa Natalie estavam segurando a fita de chegada, então eu simplesmente pensava: ‘estou voltando para casa’, ‘estou voltando para casa, ‘estou voltando para casa’”. Como a Ironman passou a fazer parte de sua vida? O começo dessa ligação é um tanto contraditório. Era 1989 e o garoto Jay assistia na televisão à transmissão de uma dessas provas. Quando viu os atletas em completo esgotamento físico e psicológico, pensou: “eles devem ser sobre-humanos”. Jay e Ironman pareciam opostos, jamais presentes em uma mesma frase. Entretanto, como a vida não é um livro escrito e, sim, uma página em branco, a união naturalmente foi feita.

Desde que Hero passou a fazer parte de sua vida e alegrar o seu dia a dia, a partir do nascimento em 2015, Jay começou a sentir vontade de completar a prova que, até então, ele atribuía apenas a “sobre-humanos”. Queria que a filha chegasse a sua primeira década de vida comemorando a finalização em um Ironman. Só que um novo capítulo na história da família foi escrito e, quatro anos depois do nascimento de Hero, o pai foi diagnosticado com câncer.

Desistir da prova não era uma possibilidade. Ele, então, somente aguardou a liberação médica para começar os treinos e antecipou a sua inscrição. “O meu primeiro dia de radioterapia e quimioterapia foi também o primeiro dia em que eu comecei o meu treinamento para a Ironman”, lembra Jay. Na prova do ano passado, ou seja, na realização de seu projeto de amor para a filha, enquanto ele corria, pedalava e nadava um filme passou pela sua cabeça. Cada gota de suor que escorria de sua testa era a confirmação de que ele marcaria a vida de Hero. Se aos sete anos ela ainda estranhava ou temia pela palavra coragem, depois da competição entendeu totalmente o seu sentido. E Jay jamais deixou de acreditar que suas vitórias inspiram aqueles que o cercam, sejam parentes ou amigos, e que, independentemente de como se desenrolar a vida para Hero, nos momentos mais difíceis ela lembrará do pai cruzando a linha de chegada da prova de resistência mais difícil do planeta, vencendo e falando para si próprio: “Se eu posso fazer isso, Hero conseguira na vida o que quiser”.

PERCURSO Conhecida como Ironman, a maratona é a mais temida em todo o mundo por unir corrida, nado e ciclismo: o corpo no limite (foto1 – 42 km; Foto2 – 4 km e Foto3 -180 km) (Crédito:Divulgação)