O verdadeiro 01
HERANÇA Flávio Bolsonaro herdou o esquema de rachadinhas montado pelo pai (Crédito:Ueslei Marcelino)

Uma série de gravações que vieram a público nesta semana colocaram, pela primeira vez, o nome do presidente Jair Bolsonaro no centro de um esquema de confisco de salários de servidores públicos, conhecido como rachadinha, no período em que ele foi deputado federal, entre 1991 e 2018. As informações, reveladas pelo UOL, devem abrir caminho para uma nova CPI no Senado, no momento em que o capitão já se vê envolvido até o pescoço em denúncias de corrupção na compra de vacinas contra a Covid. Nas gravações, Bolsonaro é citado como o verdadeiro 01. Um dos áudios mostram Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada de Bolsonaro, contando, em detalhes, que seu irmão, André, foi demitido pelo então deputado porque não tinha devolvido a parte do salário combinada com o parlamentar na época em que era assessor no gabinete dele. André foi exonerado em 2007. “O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6 mil, ele devolvia R$ 2 mil, R$ 3 mil. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo’”, disse Andrea em uma das gravações. Ela foi a primeira dos 18 parentes de Ana Cristina nomeados nos gabinetes da família Bolsonaro entre 1998 e 2018.

André é o irmão caçula de Andrea e Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do mandatário. O produtor de eventos foi assessor do vereador Carlos Bolsonaro entre 2001 e 2006. Naquele ano, passou a ser funcionário do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara, dois dias depois de ter deixado seu cargo na equipe de Carlos. Em Brasília, André recebia salário de R$ 6 mil. Andrea trabalhou como assessora da família Bolsonaro por 20 anos. Sem morar em Brasília, constou como funcionária de Jair na Câmara entre 1998 e 2006. No dia 8 de novembro daquele ano, foi nomeada na Câmara Municipal do Rio para trabalhar no gabinete de Carlos, onde permaneceu até 2008. Depois, foi assessora de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio até 2018, quando tinha salário de R$ 7,3 mil. Nessa época, Andrea também tinha que devolver a maior parte de seu salário, o que ela admite em outro áudio. Na gravação, ela revela que o dinheiro era recolhido pelo tio, Guilherme dos Santos Hudson, um coronel da reserva e amigo de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras nos anos 70. Hudson também foi assessor de Flávio na Alerj até 2018. Andrea relata que todo o mês ia ao banco com o tio para sacar o próprio salário e devolver para ele.O verdadeiro 01

“Vão matar?”

Em outro trecho, Andrea revela que está sendo silenciada. “Não é pouca coisa que eu sei, não. É muita coisa que eu posso ferrar a vida do Flávio, ferrar a vida do Jair. Posso ferrar a vida da Cristina, entendeu? É por isso que eles têm medo aí e mandam eu ficar quietinha”. Andrea é alvo de investigação no Ministério Público do Rio de Janeiro no caso que apura suposta prática de rachadinha por Flávio, hoje senador. Com base nas quebras de sigilo na Justiça, a promotoria identificou que a servidora sacou 98% do que recebeu como salário de assessora, entre 2008 e 2018. Outros nove servidores, parentes de Ana Cristina, também estão sendo investigados no mesmo processo. Segundo o MP, eles sacaram, em dinheiro vivo, R$ 4 milhões provenientes dos próprios vencimentos neste mesmo período. Procurado pela reportagem, o advogado do presidente e de Flávio, Frederick Wassef, afirmou que os áudios são fraudados.

O verdadeiro 01
AMEAÇADOS Márcia Aguiar acha que ela e o marido Fabrício Queiroz correm risco de morte (Crédito:Divulgação)

O policial Fabrício Queiroz é outro alvo dessa investigação. Ex-assessor de Flávio, era, até então, o único responsável por pegar de volta parte do salário dos servidores do gabinete. Em outra leva de áudios, a mulher e a filha de Queiroz (Márcia Aguiar e Nathália Queiroz), se referem ao presidente como o verdadeiro 01. As gravações datam de outubro de 2019, quando o policial estava escondido na casa de Wassef, em Atibaia (SP). Queiroz chegou a ser preso. Numa conversa de Márcia com uma amiga em novembro de 2019, quando Queiroz estava escondido na casa de Wassef, ela dá a entender que corriam riscos. “Só que eu também não tô aguentando, tá entendendo? E tô muito preocupada com ele. A minha saúde também está abalada. A gente não pode mais viver sendo marionete do “Anjo”. Ah, você tem que ficar aqui, traz a família. Esquece cara, deixa a gente viver a nossa vida. Qual o problema? Vão matar?”.
Apesar de a Constituição não permitir que o presidente seja responsabilizado “por atos estranhos ao exercício de suas funções”, alguns procuradores sustentam que Bolsonaro pode ser investigado. E esse deve ser o caminho natural dessa história. O senador Alessandro Vieira apresentou pedido para a abertura de uma nova CPI no Senado para apurar as informações reveladas nos áudios. Mais uma denúncia para a coleção da família do verdadeiro 01, investigado pela morte de brasileiros na pandemia, corrupção na compra de vacinas e, agora, por se apropriar de dinheiro público de seus próprios funcionários.