A nova versão “paz e amor” do governo Jair Bolsonaro tem deixado o ministro Paulo Guedes falando sozinho. Promessas como a venda de R$ 1 trilhão em ativos imobiliários e a arrecadação de R$ 900 bilhões em privatizações continuam sendo repetidas pelo titular da Economia, mas é cada vez mais difícil convencer que elas têm conexão com a realidade e que qualquer proposta de modernização do Estado vai avançar, enquanto o País mergulha da recessão. Agora, apesar de ter falhado em todas as suas previsões, o ministro resolveu dobrar a aposta. Prometeu quatro grandes privatizações em até três meses, sem citar as empresas. “O País vai surpreender o mundo”, afirmou à CNN Brasil. Como sempre, faltou combinar com o Legislativo, e o anúncio deve novamente frustrar o mercado. Sem ser específico, Guedes acenou com subsidiárias da CEF. “Tem um arbusto que é uma empresa estatal, cheia de ativos valiosos. Subsidiárias da Caixa são um bom exemplo. Esse ano é um excelente ano para fazer um IPO grande. Bem maior até que uma Eletrobras, por exemplo.”

Problema jurídico

Além de intempestiva, a privatização-relâmpago tem tudo para virar um imbróglio jurídico. No último dia 2, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, alertou o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre um “drible” na norma estabelecida em 2019 pela corte, que liberou a venda de empresas subsidiárias, exigindo leis específicas apenas para a privatização das empresas-mãe. O governo estaria usando um artifício, criando companhias subsidiárias apenas para alienar ativos. Alcolumbre mirou especialmente as vendas da Refinaria Landulpho Alves (Rlam) e da Refinaria do Paraná (Repar). Esse entendimento, se aceito, pode frustrar as vendas da Petrobras e afetar um dos pilares do plano de abertura do setor de energia, que ainda espera a “revolução do gás” prometida por Guedes. Não seria o único fiasco. Em novembro, o megaleilão da cessão onerosa do pré-sal acabou em anticlímax. O novo marco do saneamento, que efetivamente pode atrair investidores, foi uma iniciativa do Congresso. A Reforma Tributária também só avança pela iniciativa dos parlamentares. A Reforma Administrativa parou na gaveta de Bolsonaro. Por isso, o presidente da Câmara, que é cético com a agenda do ministro, voltou à carga. “Vejo com pessimismo a decisão do governo de abandonar a linha de reformar o Estado. Estou fazendo o debate do futuro, na Reforma Administrativa. E um sistema tributário que garanta segurança jurídica”, afirmou Rodrigo Maia.

Na ausência de privatizações, o governo tem feito um plano de alienação de subsidiárias e desinvestimentos, com venda de ações. No ano passado, o ministro da Economia anunciou a criação de um “fast track”, um sistema para acelerar as privatizações. Também ficou na promessa. Não há razões para esperar que agora seja diferente. A época é ruim para concessões e privatizações, com ativos depreciados e investidores sem uma sinalização clara para o caminho da retomada pós-pandemia. Para vingar, grandes planos precisam ser consistentes, com apoio decisivo do presidente e uma base de sustentação sólida no Congresso — que não existe. Só assim é possível atrair investidores. Uma estatização à sorrelfa de empresas tiradas da cartola não resolveria nenhum impasse econômico e daria mais munição para os saudosos da estatização.

No começo do ano, a previsão era privatizar em 2020 a Eletrobras, a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), a Empresa Gestora de Ativos (Emgea), a Casa da Moeda e a Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep). Tudo foi adiado para 2021. E é provável que as novas iniciativas também fiquem para o futuro indeterminado. O secretário de Desestatização, Salim Mattar, já apontou que o processo está prejudicado pela pandemia. Antes do anúncio bombástico de Guedes, no novo planejamento do Ministério da Economia a privatização da Eletrobras passou para o segundo trimestre de 2021. Correios e Telebras ficaram para 2022. Assim como ficou para janeiro de 2022 a venda da EBC, que gerencia a TV Brasil, símbolo do aparelhamento.
Guedes parece falar mais para os fanáticos que ainda acreditam no governo do que para investidores em busca de oportunidades de longo prazo. Esses foram claros na última reunião do Fórum Econômico Mundial: não querem atrelar seus negócios a um governo radical e a uma pauta antiambiental. Trinta deles, responsáveis por US$ 3,75 trilhões em ativos, já avisaram que podem retirar seus investimentos se o governo não contiver o desmatamento. Executivos de 38 grandes empresas pediram providências ao vice Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Para eles, a imagem negativa do País traz prejuízos para os negócios.

Em negação, o ministro deixou de ser a âncora de racionalidade e tornou-se o legitimador de um governo sem rumo. Mantém um otimismo artificial embalado por frases de efeito. “Eu salvo a República de duas a três vezes por semana”, disse, sobre a perspectiva de recuperação da economia. Por enquanto, esse discurso motivacional serve apenas como anteparo para os arroubos populistas do chefe e é útil para caracterizá-lo como fiador da disciplina fiscal, que ainda se mantém pela lei de teto de gastos aprovada no governo Temer. Isso ainda tem valor para os investidores. Mas, nos truques de Guedes, ninguém acredita mais.

Ministro deixou de ser a âncora da racionalidade e tornou-se o legitimador de um governo sem base e sem rumo. Ele mantém um otimismo artificial embalado por frases de efeito motivacionais