O vaso chinês da tia Jurema era uma espécie de parente.

Apesar de que, na família italiana, só o vaso era chinês.

Tinha 85 anos. A tia, não o vaso.

Ninguém sabia a origem, mas o vaso estava lá, no canto da sala há décadas, todo cheio de desenhos chineses ou japoneses, já que ninguém sabia a diferença.

Gerações de crianças correram em volta do vaso até virarem adolescentes.

Tia Jurema ficava maluca, porque tinha um carinho especial pelo dito cujo.

– Se me quebram esse vaso, juro que boto fogo em vocês e guardo as cinzas dentro!

Foi num domingo, depois do espaguete, família reunida a frente da TV, que a vida de todos, até do vaso, mudou para sempre.

Num desses programas do History Channel, onde as pessoas levam velharias para um antiquário, levaram um vaso igual.

A família toda entrou em polvorosa. Era o vaso da Tia Jurema cuspido e escarrado.
Tia Jurema mandou calarem a boca para escutar o programa.

O dono do antiquário explicou que aquele era um vaso realmente especial.

Que era de uma dinastia qualquer, feito por um artista cujo nome ninguém entendeu.

Explicou que era parte de um conjunto de três vasos. Um estava no Metropolitan, os outros dois tinham desaparecido.

Quanto vale um saboroso espaguete feito com enorme carinho?

– Trezentos mil dólares, mais ou menos — avaliou o sujeito na TV.

A família toda olhou para o vaso na sala ao mesmo tempo.

Tia Clara, dramática, começou a chorar.

O antiquário comprou o vaso por 230 mil dólares, porque pagam super mal nesses programas.

A família assistiu ao final do programa e a um documentário inteiro de tubarões que veio depois, em silêncio, de tão chocados que estavam.

Improvisaram uma reunião de família e ficou decidido que precisavam avaliar o vaso da Tia Jurema com alguém que entendesse do assunto.

Claudio, que era casado com a filha de tia Camila, conhecia um antiquário na Avenida São João.

O consenso foi que nenhum antiquário brasileiro seria confiável.

– Tem que ir na Sotheby’s lá de Londres. — tia Marisa, que era professora de história, sugeriu.

– Só se eu for junto. — exigiu Tia Jurema.

Apesar da idade avançada, Tia Jurema era lúcida e cheia de energia.

E era seu direito, afinal, como detentora do artigo em questão.

Rateando o dinheiro, não ficaria caro para ninguém.

– Também preciso de um dinheirinho para o hotel e para comer, que lá é tudo muito caro. — todos concordaram.

Alguém lembrou que não podiam despachar o vaso.

– Imagina se quebra.

– Mas a gente faz seguro. — sugeriu o pazzo do namorado da Valéria.

– Que adianta o seguro se não sabemos quanto vale?

Foi a própria Tia Jurema quem deu a solução:

– Compramos uma passagem para o vaso para ele viajar sentado ao meu lado.
Combinado.

Juntaram o dinheiro e Tia Jurema anotou tudo direitinho: o endereço da Sotheby’s e o episódio do programa, caso se perguntassem.

Compraram 10 metros de plástico bolha e embalaram o vaso como se fosse um recém nascido.

E duas poltronas na Econômica.

A família em peso foi ao aeroporto se despedir do vaso. E da tia, claro.

No avião, tia Jurema sentou na janela, afinal seria um desperdício deixar o vaso vendo a paisagem justo em sua primeira viagem para o exterior.

Chegando no Heathrow, Tia Jurema pegou as malas e procurou pela plaquinha com o seu nome, do motorista que havia contratado sem que ninguém soubesse.

Durante quinze dias, Tia Jurema conheceu todos os pontos turísticos de Londres.

O vaso, coitado, ela nem tirou da esteira.

Uma porcaria de um vaso que ela ganhou num bingo do Juventus, na década de cinquenta.

Na volta ela inventaria uma desculpa.

Uma viagem para Londres era o mínimo que a família poderia fazer depois de 30 anos de espaguete, afinal.