MINISTRO Luis Salomão investiga transmissão ilegal da TV Brasil que promoveu Bolsonaro (Crédito: Pedro Ladeira)

No último dia 29 de julho, Bolsonaro convocou a TV Brasil, mantida com verbas públicas, para retransmitir a live que ele promovia para denunciar supostas fraudes no sistema eleitoral. Como se sabe, o sórdido evento durou horas a fio com a exposição lamentável de fake news contra as urnas eletrônicas, num acontecimento digno de cenas de pastelão que foi veiculado por meio dos canais de comunicação oficiais. Ao término do espetáculo dantesco, o presidente fez uma constatação vexatória:“não temos provas”. Por mais que o ato tenha servido apenas para desmoralizar ainda mais o mandatário, o uso dos meios de comunicação públicos em favor da reeleição tomou uma proporção tão acintosa que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolveu abrir um inquérito administrativo contra os presidentes da Empresa Brasil Comunicação (EBC), Glen Lopes Valente, e o chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), André de Sousa Costa. Eles são acusados de terem autorizado o uso irregular das emissoras públicas de televisão para disseminar notícias falsas, propagar o negacionismo durante a pandemia e fazer propaganda eleitoral antecipada, com o objetivo escancarado de promover o ex-capitão em seu projeto tresloucado de obter mais um mandato. Valente e Costa serão chamados em breve a prestar esclarecimentos à Justiça Eleitoral e poderão ser responsabilizados pelo uso ilegal da máquina pública ao lado do próprio mandatário.

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O processo está sendo analisado pelo corregedor-geral do TSE, ministro Luis Felipe Salomão, que decidiu instaurar o procedimento investigativo depois da transmissão ilegal da TV Brasil, administrada pela EBC. No ato eminentemente político, Bolsonaro chegou a escalar o coronel da reserva Eduardo Gomes, assessor especial da Casa Civil, como um dos encarregados de fazer a comprovação das provas que disse possuir contra a solidez das urnas eletrônicas, o que, ao final, se constatou que eram denúncias falsas. Esse inquérito também está servindo como resposta do Judiciário à escalada golpista do mandatário nas últimas semanas, já que ele sugeriu inúmeras vezes que não aceitaria a derrota nas urnas caso o modelo de votação não seja mudado.

A decisão de investigar Valente e Costa aconteceu após um grupo de servidores da EBC ter procurado o gabinete de Salomão para entregar um dossiê repleto de denúncias contra o abuso dos órgãos públicos para a campanha da reeleição. A denúncia apresentou fatos graves, já que Salomão resolveu ampliar o escopo da investigação, anteriormente focado apenas na live. No documento com 34 páginas ao qual ISTOÉ teve acesso, os servidores da EBC apontam várias irregularidades que teriam sido cometidas pelo ex-capitão no uso abusivo das empresas estatais. Segundo o dossiê, de janeiro a julho deste ano, a TV Brasil interrompeu a programação de sua grade por mais de 78h para acomodar transmissões de eventos protagonizados pelo mandatário. Um levantamento apresentado por esse grupo mostra que a TV estatal transmitiu, até agora, 97 eventos ilegais em 2021, dentre eles cultos e colação de grau de militares dos quais o capitão participou. Já no ano passado, houve 157 transmissões, que corresponderam a 115 horas de programação para promover a imagem do capitão. “Muitos desses eventos com transmissão pela TV Brasil não atendem ao interesse público nem aos critérios de importância noticiosa. Foram formaturas de escolas militares, cultos religiosos e inaugurações de obras com forte caráter de propaganda eleitoral”, diz um trecho do documento.

Um dos episódios mencionados no dossiê recebido por Salomão é a participação de Bolsonaro em uma cerimônia de entrega de moradias populares no Espírito Santo, em junho deste ano. De acordo com a denúncia, a TV Brasil foi obrigada a interromper a programação por mais de uma hora para transmitir o evento com a participação do ex-capitão. “Um ato de descarada propaganda eleitoral antecipada pelo presidente”, afirma o texto. Salta aos olhos ainda o número de cerimônias militares transmitidas pela TV pública. Desde abril de 2019, Bolsonaro participou de 40 solenidades televisionadas na rede pública, como formatura de sargentos da Aeronáutica e entrega de boinas a alunos de colégios militares. Na denúncia, o grupo de servidores alerta ainda o TSE para os eventos religiosos transmitidos pela emissora estatal, desrespeitando o preceito constitucional de que o Estado é laico. No dia 23 de abril de 2020, por exemplo, o mandatário ocupou a TV Brasil por quase 2 horas e meia para a transmissão de um culto de Páscoa. Além de todos os crimes cometidos pelo presidente e que são investigados pelo STF, o TSE prepara mais um processo pelo uso indevido das emissoras: o de improbidade administrativa, crime que pode dar penas de seis a dez meses de prisão.