Hoje acordei me sentindo filho do carbono e do amoníaco, como diria o genial Augusto dos Anjos no poema Psicologia de um Vencido. Tenho a sensação que essa noite escura do governo Bolsonaro vai durar para sempre. O horror… O horror…

Estou fazendo drama desse jeito porque acho que uma das trincheiras contra o avanço do presidente treinado para matar está prestes a cair. Falo da Câmara dos Deputados. Aumentam a cada dia as adesões à candidatura do deputado Arthur Lira, o preferido de Bolsonaro, para presidir a Casa. 

E nada de ser definida a candidatura alternativa, apadrinhada pelo grupo que tem à sua frente Rodrigo Maia – o grupo que nestes dois últimos anos impediu que a pauta neandertal dos bolsonarismo prosperasse. Está ficando difícil recuperar o terreno perdido.

Bolsonaro é o tipo de presidente que precisa ser confrontado o tempo todo. É necessário que lhe imponham limites, porque deixado à vontade ele mente e xinga e chuta e morde. E deixa morrer. 

Ontem à noite, ele mentiu descaradamente na internet. Disse que não haveria 13º do Bolsa Família como houve no ano passado, e como ele tinha prometido, porque seus opositores no Congresso bloquearam a medida.

Rodrigo Maia reagiu, como fez tantas vezes ao longo desses 24 meses. Obrigou o líder do Governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros, a reconhecer que foi o próprio esquadrão bolsonarista que pediu para que a medida não fosse votada, por falta de recursos nos cofres públicos. Obrigou o ministro da Economia Paulo Guedes a confessar, durante uma longa entrevista na manhã de hoje, que seu time trabalhou para que não houvesse 13o, porque dinheiro não há. Dois correligionários de Bolsonaro deixaram sua mentira despida na praça.

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Eu não estou nem aí para a carreira política de Rodrigo Maia. Acho que ele fez um jogo mesquinho ao esperar para ver se o STF autorizava sua candidatura a um terceiro mandato sucessivo – e inconstitucional – à frente da Câmara. Esse jogo mal jogado deu a Bolsonaro a oportunidade de ter um aliado no cargo. Eu não estou nem aí para a carreira política de Rodrigo Maia, mas estou muito aí para o papel que ele desempenhou. Alguém precisaria cumprir esse papel. 

Tudo indica que o pior de todos os escândalos do governo Bolsonaro está prestes a explodir. Vão crescendo os indícios de que Alexandre Ramagem, o diretor da Abin, enviou pessoalmente documentos para as advogadas particulares de Flávio Bolsonaro, apontando caminhos para derrubar as ações sobre rachadinha que correm contra ele. 

Os relatórios teriam sido confeccionados depois de uma reunião da qual também participaram o próprio presidente e seu ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. Nessa reunião, as advogadas mencionaram um suposto acesso irregular aos dados de Flávio por funcionários da Receita Federal. Bolsonaro lançou um olhar significativo para Ramagem, que, ao que parece, foi correndo produzir um dossiê. 

Se a história for confirmada, é transparente como água. A estrutura do governo, com anuência do presidente, foi acionada para auxiliar um de seus filhos em questões privadas. É o tipo de narrativa que até o mais ingênuo dos brasileiros consegue entender: o pilantra-em-chefe da hora usou recursos públicos em benefício próprio. Dá impeachment. 

Mas alguém acha que um político como Arthur Lira, presidindo a Câmara, iniciaria um  impeachment? Faz mais o seu estilo usar a oportunidade para controlar o presidente e sugar de seu governo todas as vantagens e concessões possíveis para o amado Centrão. 

Paulo Guedes é outro que deverá chorar lágrimas de sangue com saudades de Rodrigo Maia, com quem viveu às turras. Na medida em que a turma de Arthur Lira tenha algum projeto político que não seja abocanhar o maior pedaço de poder que os seus dentes permitam, esse projeto ficará distante da agenda liberal que o ministro da Economia ainda diz defender. Será o contrário dela: gastador, estatista, corporativista. Se Guedes não conseguiu realizar seus propósitos com um adversário como Maia, verá o que é bom para tosse tendo um aliado como Lira. 

Boas perspectivas para 2021? Não creio. 

O homem por sobre quem caiu a praga da tristeza do Mundo não crê em nada. 

Um urubu pousou na nossa sorte. 

 

 


 


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