Como uma ferida difícil de cicatrizar, o Holocausto, o genocídio de judeus e de outras minorias promovido por Adolf Hitler e suas tropas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, ainda é motivo de imensa dor e revolta. Passados 75 anos do horror, a sociedade não consegue esquecer as injustiças e as violências sofridas por milhões de pessoas nos campos de concentração. Assim sendo, por mais dor que a lembrança cause, a luta para que os responsáveis paguem por seus crimes continua intensa. O último episódio dessa luta contra os nazistas acontece no Canadá, onde o governo local briga para condenar Helmut Oberlander, integrante de um famoso esquadrão da morte que matou milhares de pessoas em territórios dominados pela Alemanha na guerra. Com a queda do Terceiro Reich, Oberlander e sua esposa Margret fugiram para Quebec em 1954 e obtiveram cidadania canadense em 1960. Nos anos seguintes, o alemão construiu uma vida pacata no ramo imobiliário na província de Ontário, região mais populosa do País, e desapareceu do mapa. O que Helmut não contava era que seu passado e seus crimes o assombrariam.

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Em meados de 1995, autoridades canadenses abriram uma investigação sobre sua participação no esquadrão da morte formado por membros da Gestapo, polícia secreta alemã e da SS, unidade policial especial de Hitler. Intimado, ele se deparou com denúncias de sobreviventes do Holocausto e confessou a omissão sobre seu passado nazista na entrevista para entrar no País. Alegou que não teve escolha e, se não tivesse aceitado entrar no esquadrão aos 17 anos, teria sido executado. As autoridades canadenses não se convenceram de seus argumentos e, desde então, brigam para revogar sua cidadania.

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Apesar das acusações, Oberlander nunca foi condenado. Ele escapou inúmeras vezes por conta da “falta de provas” e os juízes consideraram que, embora tenha tido ciência dos massacres, não há registros de que ele tenha executado alguém. A “caça” aos nazistas é uma política comum na Europa há décadas, mas se espalhou pelo mundo. Nenhuma nação quer ter relação com criminosos de guerra. Pelo contrário, querem vê-los bem longe e presos. Essa é a razão pela qual o caso de Oberlander repercutiu mundialmente e desde 2019 aguarda um desenlace. O governo canadense levantou provas, como fotos do acusado usando uniformes nazistas, e classifica sua mentira na entrevista para entrar no Canadá como inaceitável. Mesmo que hoje tenha 97 anos, Helmut pode ser deportado e, se isso acontecer, o Canadá se livra do último resquício do regime nazista em seu território.

O procurador do Estado e doutor em Direito Internacional, José Luiz Moraes, reforça que diversos órgãos internacionais temem o crescimento dos movimentos de extrema direita e o “renascimento” de práticas nazifascistas, e é por isso que não medem esforços para “curar” a dor do Holocausto. “Os crimes de guerra são imprescritíveis, então as condenações podem ser feitas a qualquer momento”, diz. “Hoje os governos da maioria dos países estão mais rigorosos e não querem deixar os crimes de nazismo caírem no esquecimento”, conta.

“O caso é importante porque mostra que os crimes do nazismo jamais serão apagados da memória da humanidade”,
José Luiz Moraes, doutor em Direito Internacional (USP)

Combate histórico

As alianças políticas fortificadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) garantem que a aplicação das leis sejam rigorosas. Estima-se que mais de dois mil nazistas tenham entrado em território canadense entre 1946 e 1956, auge do pós-guerra. Segundo Moraes, depois da Segunda Guerra, milhares de fugitivos nazistas também buscaram refúgio na América Latina. Há casos famosos como o do médico Josef Mengele, responsável por experiências nefastas no campo de concentração de Auschwitz, que se escondeu no Brasil e morreu afogado na praia de Bertioga, em São Paulo. “Em muitos momentos os nazistas foram protegidos por governos simpatizantes do totalitarismo”, ressalta Moraes.

Historicamente, além das autoridades, sobreviventes do Holocausto dedicaram suas vidas a caçar seus algozes. O casal Klarsfeld, formado por Serge e Beate, talvez seja a dupla mais famosa de caçadores de nazistas. Eles ajudaram na prisão de Klaus Barbie, conhecido como “o açougueiro de Lyon” e um dos oficiais mais sádicos de Adolf Hitler. Chegaram até a receber uma condecoração de honra do presidente francês Emmanuel Macron por serviços prestados ao governo. O austríaco Simon Wisenthal foi outra peça chave na engrenagem antinazista e ajudou na captura de Adolf Eichmann, um dos criadores da “solução final”, nome dado ao projeto de extermínio dos judeus. Embora o julgamento de Helmet Oberlander tenha sido paralisado por conta da pandemia, o esforço para fazê-lo pagar por seus crimes representa um alivio para quem sofreu com as dores do nazismo. O fato é que não há mais espaço para a impunidade.