O último boa noite: a despedida de William Bonner do ‘Jornal Nacional’

Após quase três décadas à frente do 'JN', William Bonner se despede da bancada e deixa um legado de credibilidade, rigor jornalístico e influência

William Bonner
William Bonner Foto: Reprodução/Instagram

A despedida de William Bonner do ‘Jornal Nacional’ acontece na noite desta sexta-feira, 31 de outubro, e não representa apenas a saída de um apresentador: simboliza o fechamento de um capítulo decisivo na história do jornalismo televisivo brasileiro. Por quase três décadas, Bonner não só foi a face de um dos programas mais assistidos do país, mas também um protagonista na consolidação de uma cultura de credibilidade, rigor e clareza informativa que moldou gerações de espectadores. Seu icônico “boa noite” tornou-se uma marca cultural, uma assinatura reconhecível que anunciava não apenas notícias, mas também a seriedade com que estas eram tratadas.

A trajetória de Bonner na Globo, iniciada em 1986 no SPTV e no Globo Rural, antes de se consolidar no Fantástico, reflete um percurso de construção profissional pautado pela disciplina jornalística. Em 1994, assumiu o Jornal Hoje, ao lado de Fátima Bernardes, e dois anos depois chegou ao topo do jornalismo da emissora, comandando o Jornal Nacional. Desde então, não se limitou a apresentar: William Bonner moldou o programa editorialmente, como editor-chefe, definindo a abordagem de cobertura, o tom das reportagens e a forma como o telejornal dialogava com a sociedade.

Comparado a outros períodos do jornalismo televisivo brasileiro, a era Bonner se destaca pelo equilíbrio entre autoridade e empatia. Nos primeiros anos do Jornal Nacional, sob a batuta de Cid Moreira e Hilton Gomes, a apresentação era marcada por um tom formal e distante, refletindo a necessidade de estabelecer credibilidade em um país ainda consolidando a televisão como veículo de massa. Com Bonner, surge um modelo híbrido: a credibilidade se mantém, mas com proximidade e clareza que permitem ao espectador compreender acontecimentos complexos sem perder a confiança na informação. A liderança de apresentador coincidiu com um período de grande transformação social, política e tecnológica no Brasil, incluindo crises políticas, mudanças econômicas e a emergência das redes digitais. Seu jornalismo soube dialogar com essas transformações, mantendo relevância em um ambiente cada vez mais competitivo e fragmentado.

Bonner também marcou o jornalismo televisivo pela capacidade de formar parcerias sólidas com colegas de bancada, como Lillian Witte Fibe, Patrícia Poeta, Fátima Bernardes e Renata Vasconcellos. Essa habilidade de articulação e convivência editorial permitiu que o programa mantivesse consistência, mesmo diante de mudanças na equipe e na linha editorial. Sua presença tornou-se um ponto de referência diário: ao ouvir seu “boa noite”, milhões de brasileiros reconheciam imediatamente a confiabilidade da informação, criando um vínculo emocional e institucional com o público que poucos apresentadores conseguiram estabelecer.

O impacto da era William Bonner pode ser medido também na maneira como o Jornal Nacional se consolidou como espaço de reflexão e análise. Sob sua liderança, o telejornal não apenas reportava fatos, mas contextualizava acontecimentos nacionais e internacionais, ajudando o público a entender não apenas o “quê”, mas o “porquê” das notícias. Essa abordagem crítica e analítica elevou o padrão do jornalismo televisivo brasileiro, servindo de referência para outros telejornais e para uma nova geração de jornalistas.

O anúncio de sua despedida, feito em 1º de setembro de 2025, coincidiu com o 56º aniversário do Jornal Nacional, simbolizando o fim de um ciclo e a transição planejada para César Tralli e Renata Vasconcellos. Essa mudança representa não apenas uma renovação do programa, mas também o desafio de manter o legado editorial construído por Bonner, que combina autoridade jornalística, clareza narrativa e proximidade com o público.

Ao assumir o Globo Repórter em 2026, ao lado de Sandra Annenberg, ele inicia uma nova fase, focada em aprofundamento e reportagem investigativa, ao mesmo tempo em que reduz sua carga de trabalho. Essa decisão evidencia a evolução de sua carreira: de apresentador diário e editor-chefe a uma figura que poderá explorar o jornalismo em sua dimensão mais investigativa e analítica, mantendo influência e relevância.

O legado de William Bonner transcende o próprio Jornal Nacional. Ele ajudou a consolidar padrões de profissionalismo, ética e credibilidade que moldaram o jornalismo televisivo brasileiro contemporâneo. Comparando com períodos anteriores, percebe-se que sua era se caracterizou pela combinação de tradição e inovação: respeitou os fundamentos do telejornalismo clássico, mas soube adaptar-se à dinâmica de um Brasil em constante transformação, dialogando com novas plataformas, novos públicos e novos formatos de narrativa.

O último “boa noite” de Bonner não é apenas um adeus à bancada do Jornal Nacional, mas a consagração de uma era em que o jornalismo televisivo brasileiro encontrou equilíbrio entre rigor, proximidade e relevância social. Seu trabalho serve como referência histórica, pedagógica e ética, e sua influência continuará a moldar a forma como as notícias são produzidas, apresentadas e recebidas no Brasil por décadas.