PREJUÍZO Na barbearia de Kauê Abate, a queda nas receitas veio junto com o aumento das contas. Para amenizar as perdas, ele precisou reajustar os preços (Crédito:Marco Ankosqui)

Há um ano, a empresária Helena Mil-homens gastava cerca de R$ 30 mil por mês com os ingredientes para a produção dos pães, sanduíches e bebidas que ela vende em sua padaria, a St. Chico, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Desde que inaugurou o empreendimento, em fevereiro de 2018, esse valor praticamente não tinha mudado — daquele mês até o fim de 2019, a inflação acumulada foi de 7,89%. Do começo deste ano para cá, porém, tudo mudou. “Alguns produtos estão aumentando com uma rapidez impressionante”, diz, referindo-se a itens como a manteiga, que subiu 22,3% entre janeiro e agosto, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP). A farinha teve uma variação ainda maior: foi de R$ 4,60 por quilo em meados de 2020 para R$ 6,90 agora — um aumento de 50%. Com tudo isso, os gastos mensais com os ingredientes da padaria ficaram 20% mais altos, e ela afirma não ter alternativa que não reajustar os preços. “A gente já segurou mais do que era possível”, desabafa.

O cenário é semelhante no setor de serviços. Na barbearia de Kauê Abate, o impacto mais forte veio do encarecimento da energia. Na metade do ano passado, ele pagava, em média, R$ 250 na conta de luz, à época com bandeira verde, a menor da escala da Aneel. Nesta semana, o governo anunciou uma tarifa extra, por conta da crise hídrica, que vai aumentar novamente a cobrança, já com bandeira vermelha, desta vez em 7%. “Sem contar a fuga dos clientes”, diz ele, referindo-se à queda pela metade do seu faturamento mensal, de cerca de R$ 17 mil para R$ 9 mil. Ele precisou majorar os preços dos seus serviços pela primeira vez em três anos, e apenas para amortizar parte dos custos.

CAFÉ MAIS CARO Aumento na farinha e na manteiga impactou custos da padaria de Helena Mil-homens (Crédito:Marco Ankosqui)

Não são apenas os pequenos e médios negócios, como os de Helena e Kauê, que foram impactados pela maior escalada da inflação em meia década: grandes cadeias produtivas, em diferentes setores, também estão sendo profundamente afetadas pela subida dos preços, que já é de quase 5% somente em 2021 e de 9% no acumulado dos últimos 12 meses, de acordo com o IBGE. É o caso do agronegócio, que convive com as incertezas tanto da oscilação dos preços internacionais como do quadro interno inflacionado. “A energia elétrica mais cara já afetou bastante os custos do setor, enquanto as empresas de logística têm sentido o efeito da alta dos combustíveis”, explica Dilvo Grolli, diretor presidente da Coopavel, uma das maiores cooperativas agrícolas do País. “Tudo isso chega, com força, aos preços dos alimentos.” Insumos que abastecem cadeias inteiras, como os minérios de ferro, também estão pressionados. “Efeito do dólar alto, que encarece importações, mas também dos preços internos. que têm tornado a produção mais onerosa”, explica o economista-chefe da consultoria LCA, Fábio Romão.

Assim, se a disparada nos custos da comida e dos combustíveis fazia com que a inflação penalizasse principalmente as camadas mais pobres, hoje essa é uma realidade também das classes médias, impactadas pela alta generalizada no setor de serviços e de bens duráveis e, principalmente, pelo câmbio. “A subida dos preços espraiou-se muito em um ambiente de retomada das famílias ao consumo, mas em uma economia ainda repleta de incertezas”, afirma Romão.

Culpa do governo

Embora haja certo consenso de que países desenvolvidos no ciclo pós-pandemia estão exportando inflação para a periferia, também é verdade que o governo tem colaborado, e muito, para que o País reviva um dos seus piores fantasmas econômicos. A instabilidade política, a grave ameaça fiscal, a péssima gestão da vacinação e a falta de planejamento estrutural são fatores determinantes para a pressão sobre os preços. Eles têm afugentado investidores internacionais, prejudicado o ambiente de negócios e gerado pânico em setores como o de energia elétrica. Tudo isso se reflete na valorização do dólar, que hoje está na casa dos R$ 5,20. “O câmbio alto vai contra os fundamentos da economia. Ele se explica hoje, fundamentalmente, pela atuação do governo, seja na briga com os Poderes ou na agenda tumultuada de reformas”, argumenta o economista Guilherme Tinoco.

O Ministério da Economia, enquanto isso, mantém o discurso de que a escalada de preços é “passageira” ou, como afirmou Paulo Guedes, de que “não há problema” em conviver com ela. O secretário de Política Econômica do governo, Adolfo Sachsida, chegou a cravar que a inflação não bateria no teto da meta prevista pelo Banco Central no começo do ano, de 5,25%, mas o próprio boletim Focus, publicado pela instituição, projeta que o número será de 7,27%. A previsão da LCA é mais robusta: 7,70%. Se esse dado se confirmar, afetará a própria credibilidade do BC, que demorou a perceber o risco da inflação. O resultado decepcionante do PIB no segundo trimestre (queda de 0,1%) ajuda a compor o cenário crítico da economia. Com isso, a qualidade de vida das pessoas piorou muito. “Estou trabalhando só para pagar as contas e esperando por alguma melhora lá na frente”, afirma Kauê Abate. Já na padaria de Helena Mil-homens, a inflação se mede também pelo comportamento dos clientes. “Antes, eles pediam croissant. Agora, querem só o pão francês básico mesmo — e que também está caro.”