26/05/2020 - 14:46
E como era de se esperar, o toque mágico bolsonarista deixou sob suspeita a Polícia Federal.
Leio na coluna Painel, do jornal Folha de São Paulo, que as ações do órgão já não são vistas como neutras, mas como tentativas de agradar ou prejudicar o grupo político de Jair Bolsonaro.
É assim, obviamente, com a operação que nesta semana tem entre seus alvos o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e sua mulher.
Porque Witzel é o político a quem Bolsonaro se referiu como “estrume” na pornochanchada ministerial de 22 de abril. Cabra marcado para morrer.
Porque a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli deu a entender, em uma entrevista no Rio Grande do Sul, que estava a par da existência de várias investigações da PF sobre governadores e suas medidas de combate à pandemia do coronavírus. Ela até tentou emplacar um nome para o conjunto de ações, na mesma linha de mensalão e petrolão: Covidão.
Isso não quer dizer que Witzel esteja sendo injustamente perseguido. A investigação no Rio de Janeiro não começou ontem. Se a PF vasculhou o gabinete do governador, é porque o Superior Tribunal de Justiça, reponsável pela condução de ações judiciais que envolvem governadores, autorizou a diligência, enxergando indícios de que Witzel pode mesmo estar envolvido no desvio de recursos destinados à construção de hospitais de campanha no Estado.
Se Witzel estiver de fato implicado, que seja punido exemplarmente. Será educativo ver um político que se elegeu com um discurso espalhafatoso de combate à corrupção afogar-se na própria hipocrisia.
Mas veja-se a reação ao trabalho da PF. Ao menos dois deputados do Rio de Janeiro, Marcelo Calero (Cidadania) e Alessandro Molon (PSB), querem saber se houve uso político da corporação na investida contra Witzel. Como criticá-los?
Escrevi há alguns dias que não enxergo no vídeo da reunião de 22 de abril elementos que levem Jair Bolsonaro a ser denunciado por interferência indevida na Polícia Federal. Espero ter sido bem compreendido. Disse que uma ação judicial requer provas cabais de que o presidente agiu para desviar a PF de sua missão institucional. A meu ver, essa prova não está na gravação. Talvez esteja disponível no fim da investigação. Veremos o que acontece quando o inquérito for concluído.
O que não fiz foi negar o óbvio, ou seja, a ânsia do presidente em ter na diretoria geral da PF e na superintendência fluminense policiais com quem se sinta à vontade.
A exposição dessa ânsia é mais do que suficiente para um julgamento político: Bolsonaro não acredita em instituições, não respeita instituições, e não está acima de usá-las em benefício próprio. É possível que esse seja o legado da presidência do ex-capitão — um monte de instituições dilaceradas. A PF já adoeceu.