Pobre real. Se há poucos anos era uma moeda forte e respeitável, hoje é um papel desvalorizado que causa constrangimento internacional. Quem paga com o dinheiro brasileiro mundo afora se sente cada vez mais pobre, quando olha para o poder de compra do dólar, do euro ou da libra. O fato é que, em meio à crise da Covid-19, o real derreteu. Só neste ano sua desvalorização em relação ao dólar foi de 28,8%, ficando em segundo lugar no ranking das moedas mais desvalorizadas entre os países emergentes. Ganha apenas da lira turca, que despencou 29,42% no mesmo período, de acordo com o ranking feito pela Tendências Consultoria. Com o dólar nas alturas, as viagens ao exterior ficaram cada vez mais caras e se tornaram um luxo para poucos. A compra de produtos estrangeiros também ficou proibitiva.

“Eu sempre compro dólares para poder viajar. Mas este ano está tudo mais difícil e as malas ficaram no armário” Adriana Speyer, arquiteta (Crédito:GABRIEL REIS)

Até o início deste ano a situação ainda estava controlada, mas, com a pandemia, as contas públicas desandaram de vez, com aumento de gastos provocados pela necessidade de ajuda à população mais afetada pela crise. A situação fiscal, dessa forma, ficou ainda mais frágil e a incerteza dos investidores aumentou. Comprar dólares virou uma forma de escapar de uma economia enfraquecida e de driblar o risco-Brasil. A moeda americana sobe porque todos querem comprá-la.

Viagens adiadas

“Com a pandemia, o que já era difícil ficou pior. Em termos nominais nunca chegamos a esse patamar do dólar desde o início do Plano Real”, disse o economista e sócio da Tendências, Silvio Campos Neto. Segundo ele, antes da pandemia o real vinha fraco, mas ainda havia algum controle na situação, com a realização da reforma da Previdência. Mas a crise exacerbou os problemas e o risco fiscal se tornou mais grave. “Agora, tudo vai depender da capacidade política, não só do Executivo como também do Legislativo para retomar o que vinha sendo feito e tornar o país viável novamente”, diz, acrescentando que, se não houver acordo, o dólar deve se consolidar em patamares acima dos R$ 6. Na quarta-feira 4, a moeda americana era vendida a R$ 5,76, com alta de 0,41%. O economista e diretor da Ourominas, Mauriciano Cavalcante, concorda com Campos Neto e diz que, sem uma trégua entre os três poderes, vai ser difícil que haja alguma recuperação da moeda em curto prazo. “A briga política pesa muito e os investidores fogem do real e buscam ativos com menor risco, como o dólar e o ouro”, acrescenta.

O que a arquiteta Adriana Speyer quer é que o dólar volte a patamares mais aceitáveis, além de uma vacina que controle o coronavírus. Ela, que tinha planejado três viagens para este ano, foi obrigada a cancelar todas. Em abril, Adriana acompanharia a feira de móveis de Milão, como faz todo ano. Em maio, iria com o marido para Miami e, em agosto, planejava visitar uma amiga na Suíça. Seus planos caíram por terra por causa das dificuldades pelas quais o Brasil está passando. “Sempre compro dólares para me garantir das altas e poder viajar. Mas este ano está tudo mais difícil e as malas ficaram no armário. Adiamos tudo para 2021”, conta.

Os anos mais favoráveis ao turismo foram na década de 1990, depois da criação do Plano Real até 1999, quando o governo decidiu acabar com o câmbio fixo, que garantia a paridade do dólar com o real. Depois disso, as oscilações começaram a tirar o sono dos brasileiros. O receio do mercado antes da eleição de Lula, em 2002, elevou a cotação da moeda americana. Em 2008, a crise imobiliária americana teve o mesmo efeito de desvalorização do real. Mesmo assim, nos anos seguintes, no embalo de uma economia que prosperava, as viagens internacionais se multiplicaram e não foram poucas as histórias de gente que foi pela primeira vez ao exterior. Com a eleição de Jair Bolsonaro, houve um curto período de trégua, mas a falta de segurança sobre as reformas estruturais impulsionou novamente o dólar. O que levou até a uma declaração preconceituosa do ministro Paulo Guedes de que dólar alto era bom, “porque até empregada doméstica estava indo para a Disney”. O que Guedes não entendeu é que as viagens das pessoas para o exterior reflete a segurança e é um sinal de prosperidade. Mas enquanto houver incerteza e uma economia mal gerida, o real continuará declinando.