A segurança nacional, o combate ao terrorismo e o controle das fronteiras voltaram ao debate central das eleições presidenciais nos Estados Unidos depois de um ataque a bomba em Nova York, que deixou 29 feridos, e outros dois atentados, em Nova Jersey e Minnesota, que ocorreram no fim de semana passado. Quase que imediatamente, os dois principais candidatos, Hillary Clinton, do Partido Democrata, e Donald Trump, do Republicano, reagiram, apontando o outro lado como responsável pela crescente ameaça terrorista no país. Nesse ponto, Trump, que tem crescido nas pesquisas ao adotar uma versão mais presidenciável de si mesmo, pode obter vantagem, porque seu partido está há oito anos fora da Casa Branca e sua retórica mais agressiva contra o terrorismo islâmico é capaz de seduzir parte dos eleitores indecisos e que se influenciam pelo estado de paranoia que acomete os lares, mas, sobretudo, os espaços públicos americanos toda vez que acontece um ataque no país.

ATAQUE Ferido é socorrido em Nova York: ameaça crescente
ATAQUE Ferido é socorrido em Nova York: ameaça crescente

“Acredito que isso favoreça Trump, porque ele parece mais duro que Hillary no combate ao terrorismo”, afirma o advogado Kevin Greene. “Os democratas sempre vêm com aquele papo de que todos somos iguais e não fazem nada para conter a imigração ilegal e a ameaça terrorista.” Greene é um dos jovens republicanos que ocupam quatro mesas de um bar próximo ao porto de São Francisco na terça-feira 20. Todos são brancos. O local escolhido para o happy hour de setembro, um pub localizado no terraço de um centro comercial em Embarcadero, se chama Patriot House, ou “Casa Patriota”, em português, mas eles dizem que o nome é por acaso. O encontro, que acontece todo mês há pelo menos sete anos, muda constantemente de lugar.

“Trump parece mais duro que Hillary no combate ao terrorismo”
Kevin Greene, advogado e eleitor do magnata

JUVENTUDE REPUBLICANA

Os jovens se perguntam como a reportagem chegou até eles. Não que o encontro seja secreto – é divulgado num site de simpatizantes do Partido Republicano da Bay Area, a Grande São Francisco. Por razões históricas, é mais fácil encontrar um grupo de democratas por lá. Local onde o ativista Harvey Milk lutou pelos direitos civis dos homossexuais e se tornou o primeiro americano assumidamente gay a ocupar um cargo público nos anos 70, São Francisco é uma das cidades mais liberais do país. O Estado da Califórnia como um todo, ao menos desde 1992, é solidamente democrata nas eleições presidenciais e as pesquisas indicam que neste ano não será diferente. Na terça-feira 20, segundo o instituto Field, Hillary Clinton liderava a intenção dos votos por 50% a 33%, mas, como no restante do país, sua vantagem tem encolhido.

Ainda assim, não há campanha nas ruas, como se vê no Brasil ou em Estados mais competitivos, como a Flórida, numa das distorções do sistema eleitoral americano, onde nem sempre ganha o candidato que tem mais votos populares. Na prática, são os delegados dos chamados Estados-pêndulo, 11 de um total de 50, que desequilibram e definem a disputa entre democratas e republicanos. “Se eu morasse num Estado-pêndulo, consideraria votar em Trump, mas aqui na Califórnia eu nem voto, porque não faz diferença”, afirma o economista Peter Mazuryk, de não mais do que 30 anos, topete loiro e óculos de armação leve, quase transparente.

EM QUEDA Hillary tem perdido eleitores que a acusam de falta de transparência
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Mazuryk é o primeiro a dizer que os republicanos não estão unidos em torno de Trump. O principal motivo é que o magnata não é visto como um conservador de verdade. Esticando os dedos da mão direita para elencar os três motivos que definem um conservador, Mazuryk diz que tem dúvidas sobre as convicções de Trump no livre-comércio (“Ele parece um protecionista ao dizer que quer taxar as importações da China”), no Estado mínimo (“Ele tem um plano para subsidiar um programa de planejamento familiar”) e nas questões morais, como o aborto.

Na outra ponta do mesa, o médico oncologista Frank Scappaticci, camisa branca, cabelos recém-grisalhos, pede a palavra: “Trump muda muito de ideia”. Aos risos, contudo, ele parece não se importar muito com isso. Diz que, há dez anos, assistiu a uma palestra do candidato republicano sobre o mercado imobiliário em São Francisco e que ele sempre foi assim mesmo: divertido e espalhafatoso. “Trump é uma celebridade, adora a mídia e a mídia o adora”, afirma. “Mas é uma pessoa que faz as coisas acontecerem.” Para ele, um saudoso da Era de Ronald Reagan (1981-1989), é isso que falta aos democratas. “Faz muito tempo que temos prefeitos democratas em São Francisco e nenhum deles nunca fez nada para acabar com os moradores de rua, por exemplo.” O número de pessoas pedindo esmolas nos espaços públicos – quase 7 mil, segundo o último levantamento do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano do governo federal – de fato é algo que se destaca na paisagem da cidade de 837 mil habitantes. “Trump não tem experiência política, mas o que a experiência de nossos políticos tem nos trazido de bom?”, questiona o médico.

Filha de colombianos, a também médica Patricia Huertas, camisa de gola alta, voz suave e muito comunicativa com as mãos, concorda com um controle maior das fronteiras, como defende Trump. Ela, no entanto, afirma que há muita confusão entre imigrantes legais e ilegais. “Nossa briga é com os ilegais, que são muitos e provocam impacto significativo em nosso orçamento”, diz. Na segunda-feira 26, quando Trump e Hillary estarão cara a cara pela primeira vez num debate promovido pela rede de tevê CNN, os jovens republicanos de São Francisco vão se reunir para uma festa com comida, bebida e, claro, uma tevê bem grande. “Aqui assistimos aos debates como a um jogo de futebol, torcemos, gritamos, vaiamos”, diz Scappaticci. “Essa eleição é a mais acirrada em muito tempo, os candidatos são muito diferentes um do outro, e isso tem despertado nossa paixão pela política.”

Violência racial

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O candidato republicano, Donald Trump, e a democrata, Hillary Clinton, convergem ao menos em uma questão. Os dois mostraram perplexidade com a morte de homens negros por policiais. O assunto entrou na pauta eleitoral após manifestantes saírem às ruas de duas cidades, na quarta-feira 21, contra os abusos das forças de segurança. Em Tulsa, centenas de pessoas protestaram na sede da polícia pedindo a demissão da policial que matou a tiros Terence Crutcher, 40, na sexta-feira 16. Os policiais alegaram que ele parecia pegar uma arma no momento da abordagem, mas imagens mostram o contrário.  Em Charlotte (foto), centenas de pessoas repudiavam a morte de Keith Lamont, 43, na terça-feira 20. Questionam a versão de que ele teria apontado uma arma aos agentes. No ato, um manifestante foi baleado e morreu no hospital.

Fotos: Montagem revista time com fotos de Pete Souza e John Moore/Getty Images; AP Photo/Andres Kudacki; AFP PHOTO/NICHOLAS KAMM; Justin Sullivan/Getty Images/AFP