É necessário e urgente a ampliação de critérios que devem nortear os senadores na avaliação de operadores do Direito indicados pelo Poder Executivo a vagas no Supremo Tribunal Federal – nossa mais elevada Corte de apelação no âmbito de verificação da constitucionalidade e de cumprimento dos preceitos fundamentais. Existem atualmente critérios de suma importância que têm de ser mantidos, dentre eles: a reputação ilibada do indicado e seu notório saber jurídico. Ocorre, no entanto, que chefes do Executivo com pendores ditatoriais, como o são aqueles no estilo do capitão Jair Bolsonaro, indicam pessoas não pelos critérios acima citados, mas, isso sim, em troca do compromisso de que, desembarcados na Corte, serão seus verdadeiros vassalos – é um dos caminhos atuais de golpes totalitários: o aparelhamento dos tribunais superiores, e o exemplo mais claro disso foi a conduta de Hugo Chávez quando esteve à frente da Venezuela.

Assim se explica a intenção de Bolsonaro de indicar André Mendonça para que ele ocupe no STF o lugar que está prestes a ser deixado pelo decano Marco Aurélio. De qual critério Bolsonaro se valeu? Há tempos, ele declarou que indicaria alguém “terrivelmente evangélico”. Leia-se: alguém que, se chegar à Corte, decida sempre de modo favorável a seus desejos. Trata-se, a rigor, de algo “terrivelmente” ameaçador ao Estado de Direito – além disso, o Estado é laico, não pode se balizar por credos ou religiões.

O STF tem e merece ser respeitado como a derradeira trincheira de salvaguarda da democracia e do Estado de Direito. Entra, aqui, a responsabilidade dos senadores. O candidato ao Supremo Tribunal Federal é por eles sabatinados. Há décadas e décadas, tais sabatinas têm somente um caráter homologatório. Formalidade e só formalidade. Não é difícil aos parlamentares avaliarem por qual razão alguém está sendo indicado pelo Poder Executivo. Está escancarado à Nação, por exemplo, o que leva à indicação de Mendonça. Assim, os senadores, em respeito ao STF, em respeito à harmonia entre os poderes que dá solidez à República, como definiu Charles-Louis de Secondat, o barão de Montesquieu, deveriam passar a adotar também o critério da “motivação da indicação”. Frise-se, não pela subjetividade (até porque o nosso Direito é positivo), mas sedimenado naquilo que já se tornou fato público – e, portanto, objetivo.

Também por parâmetros ideológicos foi indicado o magistrado Kassio Nunes Marques (não se coloca em dúvida, em hipótese alguma, a sua reputação ilibada nem o seu notório saber jurídico), que ocupa a vaga aberta com a saída do ministro Celso de Mello. Em oito meses de STF, Nunes Marques tomou vinte decisões favoráveis a Bolsonaro. O magistrado deve ser, em uma democracia e no Estado de Direito, soberano e independente em suas decisões, tem ele a saudável discricionaridade para decidir, determinar e sentenciar. O que se propõe é que o Senado assuma a reponsabilidade de barrar indicados que podem chegar ao STF valendo-se do balcão de barganhas de favores. Nos primórdios da República, Floriano Peixoto viu cinco indicações derrubadas no Senado – que percebeu sua vocação ditatorial para amarrar a Justiça. Durante a ditadura militar, o STF foi de vital importância em sua resistência, mesmo com seus ministros sofrendo perseguições. Agora, vem outro militar, indicar o advogado da AGU, somente porque é “terrivelmente evangélico”. Também não se coloca em dúvida o seu notório saber jurídico nem sua reputação ilibada.

O que se pleiteia é que os senhores senadores — numa avalição não subjetiva mas baseada em fatos que são públicos — examinem se a indicação se dá com vistas na troca de favores. Em caso positivo, o candidato deve ser eliminado na sabatina. Ela, a sabatina, tem de deixar de ser mero cumprimento de formalidade, tem de abandonar o seu caráter (repetindo) homologatório. Isso não é desarmonia entre os Poderes Legislativo e Executivo. É somente a prática de “Checks e Balances”, que evitam aventuras ditatoriais de mandatários e dignificam a boa funcionalidade do Poder Judiciário.