Uso esse pequeno espaço para tratar de um grande homem: Nirlando Beirão, jornalista e escritor, levado recentemente por um dos mais covardes e antiestéticos caminhos da morte — a doença chamada esclerose lateral amiotrófica (ELA). Assim como os compositores Wilson Batista e Chico Buarque, dos quais Nirlando me falou um dia que muito admirava, definiram definitivamente o que é o passar do tempo e o que é a saudade, ele, Nirlando, definiu para sempre essa traiçoeira enfermidade que, à exceção dos olhos, deixa a pessoa completamente paralisada.

Vamos a tais definições: O tempo: “nos olhos das mulheres é que eu vejo a minha idade”.

A saudade: “(…) é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto, do filho que já morreu”.

Agora, a doença. Escreveu magistralmente Nirlando em seu último livro, “Meus começos e meu fim”: “(…) assim tenho vivido. Entre o passado que assoma, carregado de culpas, frustrações e de buracos, e o futuro de enigma insondável. Sorvo, no presente, o duvidoso privilégio de chorar todos os dias a minha própria morte”.

Há pessoas que se tivessem cem mãos (entre elas eu) não conseguiriam escrever isso que Nirlando digitou no computador, quando todo o seu corpo já estava reduzido somente aos movimentos de sua mão direita.

O jornalista Nirlando não escrevia, o jornalista Nirlando brincava de escrever, tão bem o fazia. O jornalista Nirlando não reportava fatos, reportava a vida, como também nos reportou a sua própria morte, conforme vimos acima: “sorvo, no presente, o duvidoso privilégio de chorar todos os dias a minha própria morte”. É bom repetir isso. É dolorido demais, mas também é de uma força inquebrantável.

Essa grande figura Nirlando, ou simplesmente “Nirla” para os amigos de fé e coragem, foi redator-chefe da revista ISTOÉ, da revista Senhor, da revista ISTOÉ/Senhor, criador da revista Status, todas publicações da Editora Três, onde ele cumpriu para valer sua jornada profissional. Gay Talese escreveu o perfil de uma ponte, isso mesmo, de uma ponte. Pois bem, Nirlando Beirão escreveu o perfil de um par de tênis, obra-prima inigualável do jornalismo brasileiro. Um par de tênis! E, por meio dele, nos traçou o perfil da ex-ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello. Friso, aqui, porque tem de ser frisado sempre, o que já escrevi certa vez sobre Nirlando: o seu texto é Nirlando elevado a Beirãonésima potência. E isso foi era assim com duas mãos ou com uma única mão. Aonde Nirlando estiver agora, de uma coisa tenho certeza: ele está escrevendo; e ele está com uma das mãos cofiando a barba enquanto pensa ou conversa com alguém. Nirlando só é mortal para os mortais. Nirlando, para Nirlando, é imortal.

Nirlando só é mortal para os mortais. Nirlando, para Nirlando, é imortal