Em um café da manhã com players de peso da indústria digital, o deputado Aguinaldo Ribeiro, relator da comissão da Câmara que vai regular o uso de Inteligência Artificial no Brasil, fez uma confidência. Disse o deputado:

“Quando eu topei relatar a reforma tributária, achava que era a maior encrenca da minha vida. Não sabia o que vinha pela frente.”

Considerado pelas empresas de tecnologia como um parlamentar moderado para tratar da regulação, o deputado do PP da Paraíba já teve alguns encontros com o mercado digital. Em um deles, revelou que não tinha a dimensão do tamanho da encrenca. Para ele, no primeiro momento, a Câmara discutiria formas de coibir os famigerados deepfakes, montagens de vídeo, que espalhavam desinformação, e só.

Em entrevista à coluna no domingo, o especialista David Li, fundador do Shenzhen Innovation Lab, na China, explicou a complexidade:

“Hoje, muita gente fala de IA como se fosse um monstro mitológico que precisamos enjaular, mas não sabemos nem se esse monstro existe.”

Essa incerteza do futuro é a maior dificuldade a ser enfrentada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados de IA, que analisa o Projeto de Lei nº 2338/2023, do senador Rodrigo Pacheco. Aprovado no Senado, o texto visa estabelecer um marco legal para o uso da IA no país, mas, com uma novidade a cada dia, não se sabe o alcance que terá essa lei.

A comissão teve na terça-feira, 27, a primeira reunião de trabalho depois de ter sido instalada no dia 20 de maio. Ela é presidida pela deputada Luísa Canziani, do PSD, mesmo partido de Pacheco. O governo viu com bons olhos o projeto de lei de Pacheco.

“A expectativa [do governo] é que a Câmara possa se debruçar num bom ponto de partida, que a gente enxerga o PL do Senado como um bom ponto de partida”, afirmou à coluna o secretário de Políticas Digitais do Planalto, João Brant.

O governo espera que os debates feitos pelos parlamentares tenham um “centro de gravidade baixo”: “Ou seja, muito no concreto, para não cair num discurso etéreo”, disse Brant.

Para ele, muitas das críticas dos parlamentares já foram consideradas no projeto final aprovado pelo Senado. Mas que há gargalos importantes. O principal deles é sobre a IA generativa, aquela que produz conteúdos com base no aprendizado permanente.

“É preciso aprofundar um pouco a parte de IA generativa; acho que ela está ainda com uma cobertura pequena no texto, um olhar sobre os riscos e oportunidades da IA generativa e para as fronteiras que são cada vez mais turvas de IA com o ambiente digital e ter respostas eficazes para essa questão”, disse Brant.

O desafio é grande. A IA está em tudo e não apenas nas redes sociais. Tem importância, por exemplo, na medicina e na agricultura, entre outras áreas. E Brant já avisou que o governo quer participar do debate, sobretudo em temas como alto risco e direitos autorais.

Tanto no governo como entre as organizações que acompanham o uso de IA, além das big techs, a preocupação é que a comissão não se transforme em um palco polarizado de discussão, com viés ideológico.

Como uma comissão especial na Câmara é representada pelo tamanho das bancadas, com o PL ocupando quase 20% dos 34 assentos, seguido pelo União Brasil e PT. Essa composição já sinaliza para um debate marcado por visões distintas sobre o marco regulatório. O PL defende menos intervenção estatal, priorizando liberdade econômica e inovação. O União Brasil segue linha semelhante, mas com atenção à segurança e ao combate a crimes digitais.

Já o PT e os deputados de esquerda propõem uma regulação focada na proteção de direitos fundamentais e inclusão social, alinhada às diretrizes do governo federal. Partidos do Centrão — como PSD, PP e MDB — devem buscar equilíbrio entre os extremos, enquanto legendas menores trazem pautas específicas: o Novo defende a liberdade de expressão e o PCdoB, a proteção de grupos vulneráveis.