O nome do pintor belga René Magritte (1898–1967) é amplamente reconhecido tanto por amantes da arte quanto por agnósticos por um bom motivo: ele transformou totalmente nossas expectativas sobre o que é real e o que não é. Quando alguém descreve algo como “surreal”, é provável que uma imagem de uma de suas obras surja na mente.

Em tempos de quarentena, isolamento social, conexões intermináveis pelo computador e muita correria para quem está trabalhando de home office, a obra de Magritte nos faz refletir se o que estamos vivendo é verdade ou ilusão. Por favor, não vamos pensar como ficaremos depois – rsrs.

Magritte definiu seu estilo artístico único, fazendo com que os críticos definissem seu trabalho como “realismo mágico”. Ao longo de sua longa carreira, ele produziu pinturas que borraram a linha entre a realidade e a fantasia, convidando o espectador a questionar o que eles pensavam que sabiam. Quem admira um quadro de Magritte certamente fica atraído pelo mistério da pintura e é instigado a analisar por mais tempo a obra em busca de representações da verdade ou de dicas do mundo imaginário presente em seu trabalho. Sua obra não é onírica e ele filtra a realidade para incluir profundos questionamentos. Por isso, podemos dizer que Magritte testa a nossa fé na semelhança visual e nos instiga a fazermos escolhas sobre nossas preferências: mundo real ou imaginário.

Ele ficou famoso com obras como a da maçã cobrindo o rosto de um homem ou a do casal se beijando com a cabeça envolta em um véu (clique para ver 13 beijos para se inspirar na quarentena). Fazia combinações de objetos com imagens do cotidiano, incluindo símbolos evocativos como chapéus, paisagens e sonhos nebulosos. Com isso, deixou um enorme legado para o mundo da arte.

Sem dúvida, Magritte é um dos artistas mais famosos do mundo e o artista belga que mais gosto. O primeiro quadro que eu vi foi o “A Traição das Imagens”, que mostra um cachimbo com a frase francesa “Ceci n’est pas une pipe” (“Isto não é um cachimbo”). Ele queria destacar que a pintura não era um cachimbo, mas sim a imagem de um cachimbo. Para mim, que estudei semiótica na comunicação por anos, achei essa representação sensacional por desafiar os paradoxs da linguagem e da representação visual. Interessante ver o mundo sob este ângulo, não?

Vale também dizer que ele era um tipo bem estranho. Passou por duas guerras mundiais, mas, sem dúvida, o maior trauma de sua vida foi o suicídio de sua mãe, afogando-se em um rio, quando ele tinha apenas treze anos. Quando menino, ele viu a cena horrorosa da camisola enrolada em sua cabeça, mas a surpresa é ele usar esse momento como inspiração para sai obra, chegando a reproduzir em quadros mórbidos que não mostram o rosto de seus personagens. Muitas telas de Magritte são atraentes e fantásticas, mas o horror também se infiltrou. Para quem deseja ver mais obras com essa temática, algumas opções são “Devaneios de um Caminhante Solitário” (1926) e “A Invenção Coletiva” (1934-35), com uma figura metade mulher e outra metade peixe morta à beira da maré.

O olho humano foi um assunto que fascinou muitos artistas surrealistas, pois eles acreditavam que representava a ponte entre o eu e o mundo externo. A obra “The False Mirror” (1929) apresenta um único olho que consome toda a tela, encarando quem o observa e chamando a atenção com seus detalhes e texturas realistas. A pupila flutua contra um céu cheio de nuvens, parecendo como se a íris fosse uma janela circular.

Desde a adolescência era fascinado por arte. Matriculou-se na Académie Royale des Beaux-Arts (1916) e começou a sua carreira pintando abstrações. Seis anos depois, três importantes episódios moldaram sua vida e estilo: ele se casou, teve uma importante exposição no Congresso de Arte Moderna da Antuérpia e viu o trabalho de Giorgio de Chirico pela primeira vez. As cenas assombrosas, sombrias e carregadas de símbolos do pintor italiano o motivaram a representar suas próprias neuroses psicológicas.

Mudou-se com a esposa para Paris depois das críticas que recebeu em sua primeira exposição individual na Galeria Centaur (1927). Chegando lá, embora ele tenha rapidamente se emocionado com o pensamento do escritor e líder do movimento surrealista André Breton, as ideias ficaram dogmáticas demais para ele. O ambiente de ruptura pessoal também interferiu em seu trabalho artístico em momentos marcantes como o da época que se filiou ao Partido Comunista. O apoio de Magritte ao movimento acabou sendo representado pelo chapéu-coco, amplamente presente em sua obra e que também ganhou espaço em guarda-roupa, tornando-se tão presente em sua vida como o bigode era para Salvador Dalí (acompanhe a coluna que escrevi dele).

Vários bem-bolados, como seu casamento, não funcionaram em sua vida. Apesar de nunca ter se separado da esposa Georgette, o adultério de ambos os lados criou turbulência adicional para o artista. Dizem que no final dos anos 1930, para ele conseguir ter um caso com a artista surrealista Sheila Legge, chegou a chamar seu amigo Paul Colinet para distrair sua esposa, fazendo-lhe companhia. O plano não funcionou tão muito bem, pois a mulher e o poeta surrealista começaram a se relacionar.

Como muitos surrealistas, Magritte estava profundamente envolvido com a literatura, mas fez trabalhos para a publicidade, criou anúncios de automóveis, design comercial, cartazes, gravuras, pinturas e esculturas. Ao longo da ocupação alemã na Bélgica durante a Segunda Guerra Mundial, Magritte produziu fotografias e curtas-metragens para criticar a violência da época. Depois disso, chegou a testar várias técnicas de pintura e até teve uma fase impressionista. Sua obra foi influenciada também pelo cubismo, futurismo e purismo, o que se evidencia na forma como trata alguns temas em suas pinturas como a cor, a vida moderna, os objetos e as formas tridimensionais.

Antes mesmo de morrer, teve grande reconhecimento internacional e museus de vários países fizeram exposições para homenageá-lo. O MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), por exemplo, ofereceu uma retrospectiva em 1965. Na ocasião, os curadores escreveram que sua vida parecia monótona, mas no mundo interior, o da imaginação, sua arte era extraordinariamente inventiva e muito à frente do tempo.

Dizia que para ele a pintura era a concepção de uma ou mais coisas que podem se tornar visíveis, destacado que uma ideia não poderia jamais ser vista com os olhos. Que a mente e o coração sejam os olhos de todos nessa nova era! Se tiver uma boa história para compartilhar, aguardo sugestões pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.