Um “silêncio” ensurdecedor ecoa pelos corredores do Palácio do Planalto nas últimas semanas. Entre as declarações alopradas do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia que matou quase 300 mil pessoas, chama a atenção a ausência do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, em eventos públicos. Considerado um dos principais conselheiros de Bolsonaro e, até recentemente, uma espécie de porta-voz informal do governo, Heleno agora está calado. Há algum tempo, ele decidiu não se envolver mais nas decisões da presidência, deixando de expor suas opiniões. Para amigos do general da reserva, a mudança de comportamento de Heleno tem explicação: incômodo com as ações de Bolsonaro.

Pessoas próximas ao ministro ouvidas por ISTOÉ em Brasília relatam que o general está insatisfeito com as atitudes do mandatário e afirmam que a mudança de comportamento coincide com o agravamento da pandemia no País, após as confusões armadas pelo presidente. “Pelo que conheço dele, diria que Heleno está sumido porque está desconfortável”, afirmou um general reformado próximo ao ministro. Outro oficial da reserva diz que o amigo está insatisfeito e listou uma série de questões que estão irritando o general. “Há muito tempo Heleno andava preocupado com decisões estapafúrdias de Bolsonaro. A discrição dele agora ocorre porque ele acaba ficando envergonhado de ser partícipe de certas coisas que acontecem no governo”, disse um dos generais da reserva mais respeitados nas Forças Armadas.

Um dos fatores que estariam contribuindo para a mudança de comportamento do ministro do GSI é o posicionamento de Bolsonaro diante das vacinas. Até o início do ano, o presidente subestimava a eficiência do imunizante, desagradando importantes militares. Agora, com o aprofundamento da crise, mudou o discurso, mas o descontentamento com a falta de doses nos postos de saúde marcou as tropas. Outro fator, segundo o amigo do ministro, é a falta de empatia de Bolsonaro. “A linguagem do presidente é outro problema. Há falta de respeito, falta de tato, de sensibilidade. Militar gosta de discrição e disciplina. E isso choca”, disse.

Fontes de desgaste

A nova troca de comando no Ministério da Saúde também teria entrado para a lista de insatisfações. Na segunda-feira, 15, Bolsonaro anunciou que o cardiologista Marcelo Queiroga substituirá o general Eduardo Pazuello. Será a quarta mudança no posto desde o início do mandato do presidente. Para escolher o novo ministro, Bolsonaro chegou a fazer tratativas com partidos do Centrão, grupo bastante criticado por Heleno no passado, antes de integrar a base de apoio do governo no Congresso. O general apareceu em vídeo gravado na convenção do PSL em 2018, no Rio, insinuando que políticos do Centrão são “ladrões”. Nas imagens, Heleno parodiou samba de Bezerra da Silva: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”, cantou, substituindo a palavra “ladrão”, da letra original. Não foi a única vez que Heleno criticou os atuais aliados do presidente. Em discurso no lançamento da candidatura de Bolsonaro à Presidência, o general voltou a criticar o grupo fisiológico, dizendo que as siglas que formam o Centrão são “exemplo da impunidade”. Citou o envolvimento desses partidos em esquemas de corrupção, como os desbaratados pela Lava Jato. Como um dos baluartes “anti-Centrão” no governo, o general está isolado.

Mas não é só Heleno quem parece estar incomodado com Bolsonaro. Oficiais das Forças Armadas também têm procurado o general reservadamente para relatarem o que pensam sobre a crise, pois o mandatário estaria se recusando a ouvi-los. Os militares contam que aproveitam a posição de Heleno para levar insatisfações ao presidente. Além de não serem atendidos por Bolsonaro, não gostam das suas reações explosivas ao ouvir críticas.

O fato é que Heleno e Bolsonaro já não têm a mesma relação. O general se desgastou no final do ano passado em um nebuloso episódio em que a Abin, agência sob controle da GSI, teria produzido relatórios com orientações para a defesa de Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha. A PGR abriu uma investigação para apurar se houve essa ajuda. O general nega que qualquer relatório tenha sido produzido. Em manifestação enviada ao STF, confirmou que participou de uma reunião do presidente com a defesa de Flávio e com Alexandre Ramagem, diretor da Abin, para discutir o caso envolvendo o 01. Afirmßou, porém, que se afastou ao perceber que o episódio não tinha relação com Segurança Institucional. De qualquer forma, foi uma importante fonte de desgaste com o mandatário e seu clã. Nesse momento, com a pandemia se tornando o maior risco político para o presidente, o general resolveu se recolher. O samba calou.