Na semana passada, ao longo da sabatina no Senado que lhe concretizou o sonho de passar os próximos vinte e seis anos como ministro do Supremo Tribunal Federal, na vaga deixada por Marco Aurélio Mello, ele, o terrível Mendonça, demonstrou-se liberal em temas da sexualidade, condenou a criminalização da política, defendeu a laicidade do Estado — respostas lidas, texto já escrito como alguém que sabia o que seria perguntado. Fez e levou pronta a lição de casa. Esbanjou em expletivos quando afirmou que há dois Mendonça: um, que segue a Bíblia na vida pessoal; outro, que seguirá a Constituição do Brasil na função de ministro do STF. Foi aprovado pela apertada vantagem de quarenta e sete votos a favor e trinta e dois contrários. À saída, comemorando a vitória com seu novo visual de cabelinhos implantados, apropriou-se da maravilhosa frase do astronauta norte-americano Neil Armstrong, o homem que primeiro pisou a Lua. Armstrong declarou à NASA e ao mundo, no distante julho de 1969, referindo-se à ausência de gravidade que quase o fazia levitar: “é um pequeno passo para um homem, um grande salto para a humanidade”. Mendonça toscamente o plagiou: “é um passo para o homem, um salto para os evangélicos”. Estranheza geral. Não foi ele que, horas antes, jurara que separaria templo de tribunal? Dizem que, nos pobres de espírito, o diabo atiça a vaidade e os leva ao pecado. André Mendonça, ex-ministro da Justiça, ex-advogado-geral da União e pastor presbiteriano, não resistiu — e pecou.

Mendonça é o segundo indicado pelo presidente Jair Bolsonaro a assumir uma cadeira no STF. O primeiro é o ministro Kassio Nunes Marques, homem terrivelmente leal a Bolsonaro, lealdade que alguém que preze a independência das decisões de magistrados pode até confundir com subserviência. Ou será subserviência mesmo? Deixemos isso para lá. O fato é que, de Mendonça, o presidente espera o mesmo comportamento. Alvo de investigações que podem complicá-lo no campo jurídico, assim como alguns de seus familiares, Bolsonaro, certamente, considera que conseguiu não apenas maior blindagem, diante de eventuais revezes, mas, também, ampliou espaço na cúpula do Judiciário para discutir assuntos importantes a sua reeleição, relacionados, por exemplo, ao porte de armas, à legalização de drogas e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nesse item específico (na sabatina que ao longo da história republicana tornou-se mero ato homologatório, desprezando o notório saber jurídico), Mendonça afirmou que sempre julgará pela Constituição e jamais por suas convicções religiosas. “A tendência é que as pautas conservadoras e os temas de interesse do governo sejam reforçados na Corte, com a presença de mais um indicado por Bolsonaro”, avalia o professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB), Mamede Said.

NA TORCIDA O deputado federal Marco Feliciano, o ex-senador Magno Malta e o deputado federal Hélio Lopes (da esq. à dir.): Evangélicos, mas não tão terrivelmente (Crédito:Edilson Rodrigues)

A julgar pela atuação de Mendonça em cargos recentes, acerta quem põe no pano as fichas de um maior conservadorismo na Corte e defesa incondicional de Bolsonaro. Em abril, enquanto advogado-geral da União, o novo ministro defendeu a abertura dos templos evangélicos no auge da pandemia – e fez isso porque o chefe assim queria. Quando aboletado no Ministério da Justiça, usou a Lei de Segurança Nacional contra opositores do chefe capitão, mostrando o anacronismo de suas concepções políticas. Ele virou informalmente advogado particular de Bolsonaro, ganhando salário do dinheiro público. É o pecado do patrimonialista. “Mendonça será fiel à agenda conservadora da Igreja e fiel ao programa de violência do presidente”, diz Conrado Hubner, professor de Direito Constitucional da USP. Apesar de ter sido indicado em julho, sua sabatina deu-se somente agora porque o presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre, segurou a coisa porque queria o procurador-geral da República, Augusto Aras, no STF. Desde então, Mendonça começou a sua via crucis no Senado, imprecando votos às potestades parlamentares. Deu tudo certo na quarta-feira 1. A primeira-dama Michelle chorou. É pra chorar mesmo.