É lamentável e perigoso à democracia o fato de a pessoa que exerce a função de presidente do Brasil desprezar princípios republicanos, dentre eles a laicidade do Estado. Igualmente perigoso é atropelar a Constituição do País. É o que vem ocorrendo sistematicamente no estamento burocrático governamental na gestão de Jair Bolsonaro, sendo ele o primeiro a desrespeitar a nossa Carta. No cargo do principal mandatário do Brasil, Bolsonaro tem a legitimidade e a legalidade que lhe foram outorgadas pelo voto popular para o exercício da prerrogativa e da competência privativa de indicar nomes ao Supremo Tribunal Federal (artigo 84 da Constituição).

A indicação é um estágio anterior à nomeação e alguém só poderá de fato ser ministro do STF “(…) após aprovação pelo Senado Federal” (inciso XIV). À sabatina do Congresso juntam-se outras duas exigências constitucionais: reputação ilibada e notório saber jurídico.

Bolsonaro poderá indicar dois nomes ao STF ao longo de seu governo, uma vez que dois ministros se aposentarão: pela ordem, Celso de Mello (oriundo do Ministério Público) e Marco Aurélio Mello (vindo da Justiça do Trabalho). Presidentes não devem, no entanto, ficar alardeando com antecedência quem pretendem indicar, como o faz Bolsonaro. Ele já antecipou a indicação de Sergio Moro (o que não quer dizer que ela ocorrerá levando-se em conta o vaivém de opiniões e decisões do mandatário), e, recentemente, ficamos sabendo que o indicado para a substituição de Celso de Mello será alguém “terrivelmente evangélico”.

Pode ser que Bolsonaro, ao seguir a cartilha populista, tenha prometido um “terrivelmente evangélico” somente para agradar essa bancada religiosa da Câmara dos Deputados. De qualquer forma, não é a religião professada que deve nortear a indicação. O Estado é laico e também esse ponto está fixado na Carta — lembrando, aqui, que o STF é Estado. Bolsonaro sabe, é óbvio, que há uma Constituição. O que ele precisa é passar a exercer suas prerrogativas nos limites das fronteiras por ela determinados. “Nós somos terrivelmente cristãos. E esse espírito deve estar presente em todos os Poderes”, declarou o presidente. Em sua fala faltou-lhe a seriedade com a qual o STF tem de ser tratado por todos os cidadãos (inclusive por Bolsonaro) e, faltou-lhe, sobretudo, o espírito democrático. Evangélicos, católicos, umbandistas, espíritas, budistas e outros que sigam demais religiões, todos poderão estar no STF. Mas jamais a Corte deverá ser preenchida a partir das crenças íntimas do presidente da República.

Antes da fé professada, há de se ter reputação ilibada e notório saber jurídico

 

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