Após Bolsonaro aumentar as pressões sobre o TSE e STF, reiterando as ameaças de que se não houver como auditar os votos do pleito em outubro pode acorrer uma intervenção no processo eleitoral por meio de militares ligados ao governo, ministros das cortes superiores deram início, na semana passada, a um amplo contra-ataque em duas trincheiras. A primeira, na arena política, com a participação de ministros togados em reuniões com congressistas influentes. E a outra, no campo jurídico, com a aceleração de procedimentos que caminhavam lentamente no Poder Judiciário, sobretudo em relação aos cinco inquéritos na PF envolvendo o presidente, seus filhos e seus aliados do Centrão, todos encrencados até as raízes dos cabelos por causa ataques à democracia e em crimes na pandemia.

TRINCHEIRA Renan Calheiros diz que a classe política não pode deixar o STF sozinho na briga contra Bolsonaro (Crédito:Eraldo Peres)

Na verdade, uma coisa está atrelada a outra. Sentindo-se acuado pelos inquéritos que correm contra ele e os filhos sobre os atos antidemocráticos e as ações criminosas das chamadas milícias digitais (esses dois processos estão agora compartilhados), o mandatário subiu o tom nas ações para intimidar os juízes dos tribunais superiores e fazê-los recuar. Afinal, essas duas ações podem levar a PGR à formalização de denúncias por organização criminosa e, se concluídos, esses inquéritos podem condenar o capitão e os seus apaniguados a penas que passam pelo cumprimento em regime fechado. Acima de oito anos de pena, como é o caso de organização criminosa, os delitos levam o réu direto a uma penitenciária.

E isso é tudo o que o presidente mais teme. Bolsonaro sabe muito bem que pode parar atrás das grades caso não seja reeleito e somente a manutenção no poder o livrará da prisão. Sabe que agora está protegido pelo foro privilegiado e também pela conivência do PGR, mas nem por isso deixa de pregar suas bravatas em público contra os juízes. Foi com tom intimidatório que ele fez um pronunciamento em São Paulo para 600 empresários da Associação Paulista de Supermercados (Apas), na segunda-feria, 16. Falando um monte de palavrões, Bolsonaro voltou a criticar o sistema de votação com uso das urnas eletrônicas. E, para variar, repetiu críticas aos ministros do STF, exaltando-se. “Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso. Ninguém vai me tirar do poder. Não sou ditador, mas só Deus vai me tirar de lá. Não adianta inventar uma canetada.” Mas não se trata de canetada, senhor presidente. Os magistrados do STF apenas cumprem a Constituição. Aliás, o que mais o presidente e seu séquito fizeram até aqui foi descumprir a Constituição. E isso não aconteceu apenas com a realização dos atos antidemocráticos e disseminação de fake news. Passou também pela divulgação de inquérito sigiloso da PF sobre as urnas eletrônicas. Bolsonaro chegou a mostrar o processo na divulgação de uma de suas alopradas lives das quintas-feiras, motivando a PGR a pedir abertura de inquérito contra o capitão. Todas essas investigações estão sob responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes, alvo constante de ataques dos bolsonaristas.

HARMONIA Kátia Abreu espera que chegue ao fim o conflito entre os Poderes pregado pelo Executivo (Crédito:Raul Spinassé)

Cortina de fumaça

Não satisfeito, o presidente tentou desqualificar Alexandre de Moraes ingressando no STF na terça-feira, 17, com uma ação por abuso de autoridade contra o ministro, considerando que ele teria desrespeitado a Constituição no caso das investigações sobre as fake news. O ministro Dias Toffoli, relator do caso, no entanto, desarmou a nova bomba contra o Poder Judiciário um dia depois da ação entrar no tribunal, rejeitando-a. Afinal, em junho de 2020, o STF já havia decidido, por 10 a 1 (ministro Marco Aurélio), que era constitucional o inquérito que apura os responsáveis pela divulgação de notícias falsas. Fontes do tribunal mostram que a ação do presidente não passou de cortina de fumaça para não ter que responder sobre a crise econômica (inflação e juros extorsivos), o que estaria afetando a campanha da reeleição. Ministros do STF acham que o mandatário está passando dos limites e deveria ser submetido a um estruturado processo de impeachment. Após a derrota no STF, Bolsonaro redirecionou a artilharia contra Moraes na PGR, denunciando-o por perseguição política.

Apesar de tudo, os ministros do STF não estão se intimidando com as ameaças explícitas de Bolsonaro e seus ministros militares, como Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), que procurou o ministro Luiz Fux, há 15 dias, para reclamar da Justiça Eleitoral. “O TSE não está colaborando em nada com o Exército”, disse o militar ao presidente do STF. A reação veio logo em seguida, com a participação de Edson Luiz Fachin e Alexandre de Moraes, presidente e vice-presidente do TSE, respectivamente, em um congresso de magistrados em Salvador. “Quem for eleito, será diplomado”, garantiu Alexandre, dando de ombros às ameaças. “Quem trata de eleições são as forças desarmadas”, completou Fachin, no mesmo seminário. Essa firmeza de propósitos tem sido revelada também pelo ministro Luiz Roberto Barroso. Os três magistrados agem como os três mosqueteiros do bem contra os malfeitores ligados a Bolsonaro em suas escaramuças contra o sistema eleitoral brasileiro, um dos mais seguros do mundo, escorado em 500 mil urnas eletrônicas indevassáveis.

Mesmo assim, os ministros do STF têm buscado guarida para o enfrentamento do Poder Judiciário junto ao Poder Legislativo para combater as coações às instituições feitas por Bolsonaro e seus generais. Na quarta-feira, 11, os ministros do Supremo (Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes) participaram de um jantar na casa da senadora Kátia Abreu (PP-TO) para organizarem uma reação contra o chefe do Executivo. Apesar de pertencer ao Centrão, a senadora reuniu os peso-pesados da política brasileira para se posicionarem contra o capitão. Estiveram lá Rodrigo Pacheco (presidente do Senado) e Renan Calheiros (um dos líderes do MDB no Senado), entre outros. “Não podemos deixar o STF sozinho nessa luta contra as ameaças do governo”, disse Renan. Pacheco afirmou que “o Executivo não pode apartar a população” e prometeu buscar “a união entre os poderes”. Afinal, a desarmonia pregada por Bolsonaro é mais uma infração à Constituição, que prega a harmonia entre os poderes.