08/02/2022 - 9:58
O brutal assassinato de um congolês no quiosque de uma praia da zona oeste do Rio de Janeiro expôs o racismo sofrido pelos imigrantes africanos no Brasil, um país de população majoritariamente negra.
“Estou pensando em ir embora do Brasil. Depois do que aconteceu com Moise, tenho medo pelos meus filhos”, disse à AFP Sagrace Lembe Menga, de 33 anos, originária da República Democrática do Congo (RDC), em alusão a Moise Kabagambe, espancado até a morte em 24 de janeiro.
O jovem de 24 anos foi morto a pauladas após uma discussão que, segundo sua família, começou quando ele exigiu um pagamento atrasado ao gerente do quiosque onde trabalhava como diarista na Barra da Tijuca.
Assim como ele, Lembe Menga também deixou seu país em busca de “paz e tranquilidade” para fugir “da guerra e dos massacres”.
“Ouvi dizer que no Brasil as pessoas são acolhidas de braços abertos. E é verdade que fui muito bem recebida quando cheguei” em 2015, conta Lembe Menga, uma cabeleireira de longas tranças verdes.
Mas ela não se salvou do racismo, especialmente em seu local de trabalho. “Às vezes as pessoas veem você como se fosse nada, insignificante, um animal. As pessoas falam: você não vive com os animais, as girafas?”, resume esta mãe de dois filhos, de 8 e 3 anos, que tem status de refugiada.
Segundo cifras oficiais, 1.050 dos 57.000 refugiados do país são da República Democrática do Congo, o terceiro maior contingente depois da Venezuela e da Síria.
– “Falta de oportunidades” –
O salário médio de um congolês com carteira assinada no Brasil é de 1.862 reais por mês, valor inferior à média dos imigrantes africanos (2.698 reais) e sobretudo à média geral de todos os imigrantes (4.878 reais), segundo o Observatório de Migrações Internacionais (OBMigra).
Muitos deles vivem em bairros vulneráveis, controlados pelo narcotráfico.
No total, cerca de 35.000 imigrantes africanos vivem no Brasil, mas os especialistas acreditam que as estatísticas oficiais estejam subestimadas.
O Brasil também abriga grande quantidade de imigrantes haitianos (mais de 150.000) que, assim como os congoleses, estão entre os mais mal pagos.
“Já passamos por tanta coisa aqui que se eu fosse contar, daria um livro”, lamenta, referindo-se a atos de racismo, o cantor congolês Elisée Mpembele, de 23 anos, que chegou ao Brasil em 2013.
“Já sofri racismo várias vezes, você chega num lugar, as pessoas te olham com outra cara; te seguem dentro de um mercado por ser negro. Há pouco tempo fui pedir informação para policiais e me pararam, começaram a me revistar, perguntando se eu era bandido”, conta.
Por causa da “falta de oportunidades” para ganhar a vida com sua arte, com frequência precisa fazer bicos para chegar ao fim do mês.
Bas’llele Malomalo, professor e pesquisador de movimentos migratórios africanos no Brasil da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), lembra que “55% da população brasileira é negra. Por isso o racismo é tão perverso”.
– “Baixar a cabeça” –
Só a Nigéria tem uma população negra maior do que a brasileira no mundo.
“O problema começa com a integração dos nossos ancestrais que chegaram aqui escravizados. No processo da abolição, em 1888, o imaginário é entender pessoas negras como animais, objetos. Isso permaneceu”, explica Malomalo.
Em um país onde um estudo recente mostra que 77% das vítimas de homicídio em 2019 foram negros, os migrantes africanos no Brasil como Moise Kabagambe são ainda mais vulneráveis porque “quem mata tem na cabeça que quando é africano, ninguém vai defender”, insiste Malomalo.
“Se mexem comigo, prefiro baixar a cabeça para não arrumar confusão”, diz Modou Fall, senegalês de 34 anos que vende óculos de sol na praia de Copacabana.
“É difícil ganhar dinheiro aqui. Você ganha um pouquinho, manda para casa, e fica pouquinho porque o real é muito baixo frente ao dólar”, lamenta.
Rui Mucaje, presidente da Câmara de Comércio Afro-Brasileira (AfroChamber), explica que muitos imigrantes africanos chegam ao Brasil com “espírito empreendedor”, em particular para vender roupas ou tecidos africanos, mas “muitos estão na informalidade”.
“Não é raro você ver casos de gente formada, com grau de formação até superior, que migra para cá buscar melhores oportunidades e acaba sendo colocada em vaga de subemprego”, destaca, citando como exemplo um engenheiro que trabalha em um supermercado.
Para Mucaje, o assassinato de Moise Kabagambe é “a trágica materialização dos problemas causados pelo racismo no Brasil”.