Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”, já dizia o escritor romântico Gonçalves Dias em seu poema histórico “Canção do Exílio”, escrito em julho de 1843. A ave, símbolo do País, serviu de inspiração para poetas e músicos consagrados como Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Tom Jobim, Luiz Gonzaga, Chico Buarque, Roberta Miranda e Marisa Monte. Mas com certeza os sabiás de hoje não gorjeiam como os do saudosista Gonçalves Dias. Os ornitólogos, profissionais que estudam as aves, já sabem que entre agosto e setembro, principalmente, há um crescimento no número de reclamações de pessoas com o canto da ave. Os passarinhos não deixam mais ninguém dormir e começam a cantar entre 3h e 4h da madrugada. A razão desse acontecimento, entretanto, é triste. Eles estão cantando cerca de 5 horas mais cedo do que o habitual, pois a cidade está em silêncio e eles não precisam competir com a poluição sonora. “O canto dos pássaros é uma comunicação acústica. Serve para sinalizar um bando, ou para chamar a atenção de uma fêmea para o acasalamento. No meio da cidade, eles gritam para serem ouvidos”, diz Odirlei Fonseca, pesquisador do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Essa não é a única mudança preocupante no sabiá, que também está cantando menos. Na evolução de seu canto, como forma de se adaptar ao ambiente das cidades grandes, a ave tem perdido sinais essenciais de sua natureza e ficado com a voz mais podada. O mesmo pode ser visto em papagaios, maritacas, beija-flores e canários. “Esses animais representam quase 40% das aves do nosso País. Eles aprendem a vocalizar, não nascem sabendo cantar, então são mais suscetíveis às mudanças de ambiente. Mas o custo é esse empobrecimento vocal”, afirma Fonseca.

A diminuição do canto não foi notada apenas no Brasil. Um estudo publicado recentemente na revista americana Nature Communications afirma que a sinfonia dos pássaros na América do Norte e na Europa ficou mais “simples” e sem “diversidade” nos últimos 25 anos. Assim como no Brasil, a influência e a invasão humana nos habitats naturais das aves americanas e europeias são as principais razões para a mudança de comportamento. “A maioria das aves não consegue se adaptar ao ambiente da cidade. Elas precisam ficar em seu meio ou acabam entrando em extinção”, explica Vitor Piancentini, ornitólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

É o caso da araponga e do macuco, que são aves encontradas apenas em matas fechadas e preservadas, e da arara-vermelha, que entrou na lista de extinção como uma das aves ameaçadas em razão do tráfico de animais. O Brasil é o país das Américas com o maior número de espécies ameaçadas ­­— 166 variedades de pássaros, o que representa 12% das aves comprometidas do planeta. “As populações de aves nativas vêm sofrendo redução no número de indivíduos. As matas do Rio de Janeiro abrigavam macucos, araras, arapongas e curiós. Hoje, elas estão sendo substituídas por espécies generalistas como o pardal, os pombos, as gralhas e os tucanuçus. A extinção aumentou, a diversidade diminuiu e, consequentemente, o canto deles também”, diz Marcos Raposo, Professor do Museu Nacional/UFRJ.

Apesar do silêncio dos pássaros começar a ser notado no Brasil, ainda há esperanças. Divulgado em julho deste ano, após cinco anos de trabalho realizado pela Sociedade Brasileira de Ornitologia, a “Lista de Aves do Brasil” incluiu 75 novas espécies. Com a atualização, o número de aves no País passa de 1.919 para 1.971 — sendo 293 endêmicas, ou seja, exclusivas. Com isso, o Brasil tornou-se o terceiro país com maior número de espécies próprias, perdendo apenas da Colômbia e disputando o segundo lugar com o Peru. Esse aumento de espécies é reflexo de mais pessoas se dedicando à proteção das aves, o que ajuda a reverter eventuais declínios de espécies nativas.

Uma das beneficiadas tem sido a rolinha do planalto, encontrada no cerrado brasileiro. Ela é endêmica do País e fazia mais de 75 anos que não era vista. Quase entrou na lista de animais em extinção no mundo, mas durante uma expedição um ornitólogo carioca ouviu o seu suave e discreto canto, que já não era mais lembrado, e fotografou um bando. Hoje, existem apenas 32 espécimes no planeta. “É uma luta diária combater esse empobrecimento da paisagem acústica. Iremos reverter esse ambiente”, afirma Pedro Develey, diretor da SAVE Brasil, ONG que trabalha pela conservação das aves e dos seus habitats.