O presidente americano Donald Trump não costuma perdoar quem discorda de suas controvertidas ideias. A não ser que o nome seja Emmanuel Macron. Acompanhado pela mulher, Brigitte, o presidente da França foi aos Estados Unidos na semana passada como primeiro chefe de Estado em visita ao país desde que Trump assumiu a Casa Branca. A passagem foi marcada por gentilezas dos dois lados, algumas fugindo totalmente do protocolo. Além dos já tradicionais apertos de mão que viraram notícia em diversas ocasiões, Trump deu um beijo na bochecha de Macron. Em outro momento, tirou um “pouco de caspa” do colarinho do francês, dizendo: “Temos que deixá-lo perfeito. Ele é perfeito.” E justificou o carinho especial pelo presidente da França: “Gosto muito dele”.

Nem todos esses afagos suavizaram a postura do francês. Em um longo discurso ao Congresso americano, Macron mostrou que na política os dois presidentes discordam de vários tópicos importantes. Recebido com mais de três minutos de aplausos, Macron começou sua fala relembrando a relação antiga entre os dois países. “A França participou da história dessa grande nação desde o começo”, disse ele. Mostrou como produtos culturais e gostos foram trocados ao longo dos tempos. E preparou o terreno para o primeiro de uma série de ataques à agenda política de Trump.

“Podemos escolher o isolacionismo, o afastamento, o nacionalismo. Pode parecer tentador como um alívio temporário para nossos medos. Mas fechar a porta para o mundo não vai impedir que ele evolua”, disse, em uma crítica velada ao slogan “America First” de Trump, que tem servido como desculpa para uma retórica xenófoba que deu origem a propostas como a construção de um muro na fronteira com o México, além de manifestações abertas de ódio e racismo. A ideia de América Primeiro faz com que Trump tente impor barreiras comerciais a diversos países, outro tópico em que os dois discordam. Macron afirmou que o mundo de fato tem mudado muito, mas a solução não é impor sanções. “Guerra comercial não é a resposta certa. Acredito que podemos encontrar saídas para essa legítima preocupação sobre excessos, discrepâncias e sobrecarga no comércio negociando com organizações internacionais e criando soluções cooperativas”, afirmou.

Preocupação ambiental

Ao abandonar o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, os Estados Unidos se tornaram literalmente o único país a não se comprometer em reduzir as emissões de carbono – outro tema abordado pelo francês. “Acredito em direitos e valores. Contra ignorância, temos educação. Contra o fanatismo, cultura. Contra as ameaças ao planeta, ciência”. Segundo ele, ao poluir os oceanos, não reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa e destruir a biodiversidade estamos matando a Terra. “Vamos encarar: não temos um Planeta B”. O ataque à recusa dos republicanos em aceitar as mudanças climáticas foi ainda mais específico: “Vamos trabalhar juntos para fazer nosso planeta grande outra vez”, disse Macron, parafraseando o slogan de campanha de Trump.

O passo seguinte foi atacar a política armamentista dos EUA. “Sobre o Irã, nosso objetivo é claro. Eles não devem possuir armas nucleares. Não agora, não em cinco anos, em 10 anos, nunca”. Isso não quer dizer, segundo o presidente francês, que os Estados Unidos devam começar outra guerra no Oriente Médio. “Devemos respeitar a soberania das nações, incluindo o Irã, que representa uma grande civilização. Não vamos repetir os erros passados cometidos na região”. Reiterou o apoio da França ao Plano de Ação Conjunto Global, acordo firmado entre o Irã e as potências globais. Assinado em 2015, durante a administração de Barack Obama, vem sendo ameaçado por Trump e por congressistas republicanos. “Assinamos esse acordo por uma inicitiva dos Estados Unidos. Nós, França e Estados Unidos, assinamos. Por isso não podemos dizer que vamos acabar com ele assim, de qualquer jeito”, disse ele.

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O desempenho de Macron no Congresso americano foi visto por especialistas como um grande exemplo a ser seguido por outros líderes mundiais. Donald Trump é vaidoso, então a tática mais eficaz seria manter uma relação cordial, elogiando sempre que necessário, antes de dar seu recado. Até políticos americanos ficaram empolgados com o presidente francês. Em um momento da fala de Macron, o democrata Joe Crowley gritou, em francês: “Viva a França!”. Mais tarde, pelo Twitter, falou sobre seu entusiasmo. “O discurso de Emmanuel Macron mostrou mais liderança que qualquer uma das falas de Donald Trump em um ano e meio”.

Há algo por trás de tanto carinho?
Por que Trump e Macron extrapolaram na intimidade

Para além da quebra de protocolo entre chefes de Estado, os presidentes da França e EUA demonstraram que de fato travam há tempos uma espécie de rinha particular que teve início ainda na primeira visita do líder americano, após eleito, a Paris. Na ocasião, os dois mediram forças com um aperto de mão prolongado e desconcertante. Nenhum pareceu ceder, como se aquele cumprimento representasse o poderio de suas respectivas nações. Ao que tudo indica, essas provocações não vão parar por aqui.


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