O PT passou recibo. Os sinais de que Jair Bolsonaro ganhou popularidade no Nordeste com as transferências do coronavoucher e deve apresentar em breve um programa de renda mínima de grande amplitude fizeram o partido de Lula anunciar, na última sexta-feira, seus planos de levar ao Congresso uma versão turbinada do Bolsa Família.

A petista Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social no governo Dilma Rousseff, não escondeu a inquietação do partido no dia da apresentação do plano. “A ideia é que o PT não perca a marca do partido que criou e implantou no Brasil programas de transferência de renda”, disse ela. “Querem apagar as digitais do governo Lula e Dilma da assistência à população mais pobre.”

Suspeito que o esforço do PT será em vão. Se a paternidade de uma ideia determinasse a escolha dos eleitores, o PSDB teria voto cativo entre os beneficiários dos programas brasileiros de transferência de renda. Foram os tucanos que deram início a essas políticas. Mas o PT soube aprimorá-las e, principalmente, garantir que o dinheiro chegasse de forma regular e previsível às famílias necessitadas. Colheu os frutos disso em três eleições presidenciais.

Da mesma forma, se um novo programa de transferência de renda for aprovado nos próximos tempos, com valores mais altos que os atuais e um número superior de famílias atingidas, será difícil tirar de Bolsonaro o bônus político por essa realização. Só mesmo se a burocracia errar muito na logística dos pagamentos.

Como tenho repetido aqui, o coronavoucher de 600 reais não foi ideia do presidente ou de Paulo Guedes. O Congresso teve de pressionar o governo para chegar a esse valor. Mas assim que o dinheiro começou a irrigar a economia das cidades pobres, Bolsonaro sentiu o efeito em sua popularidade.

Sim, será muito irônico se Bolsonaro vier a ser lembrado por uma grande ação assistencialista. Ele e os filhos costumavam sacar o revólver quando o tema entrava em pauta: era coisa de socialista. E embora a sua plataforma eleitoral do capitão, por ordem de Paulo Guedes, já propusesse a adoção da renda mínima universal, até a pandemia isso não aparecia como prioridade nos discursos do Planalto. Parecia algo para, sei lá, um dia desses. A atenção estava toda voltada para as “reformas liberalizantes”.

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Mas a realidade brasileira se impôs com a chegada do coronavírus. Foi preciso despejar dinheiro público em quantidades inauditas em todos os rincões do país. E de repente o avesso de tudo que Bolsonaro e Guedes pregavam pode se transformar na grande âncora de um governo que, até agora, se mostrou incompetente para implementar quase todas as políticas em que realmente acredita (a exceção é a política armamentista, na qual Bolsonaro vem nadando de braçada: em dezoito meses no poder, ele não apenas multiplicou diversas vezes o número de armas em circulação como derrubou outras medidas de controle e rastreamento).

A moral dessa história é que, por muitos e muitos anos ainda, programas de renda básica e assistência aos miseráveis serão armas eleitorais poderosas nas mãos de quem ocupa a presidência, seja qual for sua “ideologia”. Nem sempre vão garantir vitória, mas sempre terão enorme influência.

Talvez a forma de romper esse ciclo seja transformar o Bolsa Família, ou o Renda Brasil, ou seja lá qual for o nome que se queira dar, em política de Estado, menos sujeita a manipulações pelo governo da hora. É um bom momento para discutir os prós e contras dessa solução.


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