A aproximação de Moraes Moreira com a literatura de cordel – e tudo que envolve esse universo – não vem de hoje. Remonta à sua infância, no interior na Bahia, e também a anos mais recentes, quando o músico começou a levá-lo para sua própria obra. Apareceu de forma discreta em seu disco A Revolta dos Ritmos, de 2012, mas se fortaleceu agora, no álbum Ser Tão, com o qual ele está em turnê pelo Brasil.

Esse processo envolveu também uma transição festejada por Moraes: a de cantor para cantador. “Vou fazer minha passagem/De cantor pra cantador/E durante essa viagem/O tempo que é passador/Vai me dar uma guarida/E muitos anos de vida/Na cantoria do amor”, traz o começo da música De Cantor Pra Cantador, na qual Moraes ora declama, ora canta, mostrando que uma habilidade não descarta a outra. Hoje, ele é as duas coisas.

“Nesse disco, pude fazer essa ideia que tenho de juntar literatura de cordel, a influência dos cantadores, dos repentistas, essa coisa da cantoria. É uma cantoria, às vezes, falada, mas, na maioria das vezes, cantada, é claro”, comenta o cantor e compositor baiano. “Essa relação já vem desde criança, e eu vivia muito isso, a coisa da sanfona, bem sertaneja mesmo, o violonista de serenata. Então, essa memória toda eu carrego.”

Ser Tão tornou-se, assim, um projeto (muito) pessoal e intransferível. “Ia ser difícil eu trabalhar com meus parceiros nesse trabalho, porque é uma coisa muito minha. Tanto que é um disco praticamente autoral, eu só tenho um parceiro no disco, que é o Armandinho (na faixa ‘Nas Paradas’). O restante é Moraes”, explica. “O Armandinho ficou ali meio representando os outros parceiros e eles entenderam isso, que era um momento muito meu, eu tinha que me concentrar nisso. É coisa de viola, de sanfona, quase não tem guitarra. Pedia menos guitarra e mais viola.”

Inevitavelmente, o disco acaba sendo biográfico, de uma maneira mais direta, como na já citada De Cantor Pra Cantador e em Alvorada dos Setenta, cujos versos são declamados pelo próprio músico, de 71 anos, fechando o repertório. Ou mais indireta, quando ele se envereda por suas raízes e memórias, como em O Nordestino do Século, também declamada, e Origens, recitada e cantada. No blues I Am The Captain of My Soul, o refrão em inglês entoado na letra em português pode até causar estranheza nesse trabalho tão impregnado de Nordeste. Mas, para Moraes, o refrão fazia mais sentido assim, sem tradução. “Esse verso, ‘eu sou o capitão da minha alma’, eu li num livro. Fui pesquisar sobre isso, esse verso era de um poema, Invictus, de Ernest Henley, um inglês da época vitoriana. Um dia, me peguei cantando ‘I am the captain of my soul’. Depois, fiz a parte B da música, em português, e aí volta sempre o refrão, que tinha de ser em inglês”, ele diz. “São os sertões se encontrando: o sertão de lá e de cá.”

Mesmo em seus tempos de Novos Baianos, em que o grupo criou, literalmente, a própria música, Moraes conta que suas raízes nunca desapareceram. “Por exemplo, Preta Pretinha é uma coisa interiorana, é muito brejeira. Então, sempre teve ali um pouquinho.”

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Com a recente reunião dos Novos Baianos, Moraes, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão saíram em turnê nacional e, em 2019, devem entrar em estúdio para gravar um disco de inéditas. “Paralelamente ao meu show solo, o Galvão está me mandando letras e eu estou fazendo as músicas. E estamos guardando, para daqui a pouco ter um repertório legal. Mas até lá já vou ter curtido meu sertão.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

MORAES MOREIRA

‘Ser Tão’

Discobertas; R$ 24,90


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