Ser cerimonioso ajuda. Muito mais do que atrapalha. Desde os tempos de professor universitário, a formalidade é um traço em Michel Temer que sempre o auxiliou como articulador, ao contrário do que possa aparentar. É próprio do cerimonioso guardar reservas. É uma particularidade da característica inspirar a imagem de conduta firme, com barreiras educadamente impostas.  Um interlocutor nunca fica inteiramente à vontade na abordagem. Mas, uma vez ultrapassada a distância litúrgica, o cerimonioso é alguém com quem se pode contar. O estilo lhe vale como vantajosa conveniência na hora de conduzir o jogo político. Ser formal é uma ferramenta útil para o presidente da República, como gestor de crises intrincadas.  Para quem está no comando do PMDB desde 2001, é ainda arma de defesa para liderar um imenso e heterogêneo partido, que embute em sua história marcas tão díspares: resistência, lealdade, traição, fisiologismo, reconciliação. O marqueteiro Elsinho Mouco, próximo a Temer desde 2003, às vezes receia que a característica possa parecer defeito. “Credito a formalidade à sua timidez”, diz. “Talvez isso impeça que se conheça o seu lado mais sensível e humano. Agora, na presidência, o dr. Michel Temer poderá mostrar melhor esse lado.” Temer pensa no assunto, mas sabe que seria um desastre mudar seu jeito. “Não se pode confundir cerimônia com antipatia”, ele costuma ressalvar.

PRIMEIRO ESCALÃO Como secretário de segurança de Montoro, em 1984, à frente de Covas e FHC
PRIMEIRO ESCALÃO
Como secretário de segurança de Montoro, em 1984, à frente de Covas e FHC (Crédito:Folhapress)

Ser habilidoso ajuda. Não por acaso, Michel Temer foi eleito presidente da Câmara dos Deputados três vezes, lembram seus aliados. O ex-governador paulista Franco Montoro percebeu este dom em 1983, quando Temer era Procurador-Geral do Estado. Ouvia mais e falava com parcimônia. Ele passou a ser mais observado até que, em 1984, Montoro o nomeou para a secretaria de segurança do Estado, quando as polícias civil e militar de São Paulo viviam em pé de guerra, separadas por um muro de Berlim. “Temer é um harmonizador. É um algodão entre cristais”, define o marqueteiro político Gaudêncio Torquato, seu amigo há 30 anos.  Aquela foi a primeira das três vezes que assumiria a função. Ele nada entendia do assunto, mas até hoje gosta de contar que seu jeito cerimonioso impôs respeito.  Na época, 400 estudantes de direito da USP ocuparam a reitoria. A PM estava disposta a invadir. Mas Temer foi falar com os estudantes. Depois de seis horas, os estudantes desocuparam o prédio. Todos saíram juntos cantando o Hino Nacional. “Foi com muita diplomacia que ele resolveu o episódio. Ele tem o temperamento adequado. Tem oratória e sabe impor limites”, diz o advogado José Yunes, seu companheiro há 40 anos e colega na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo de São Francisco. Em 1993, ele voltou ao mesmo cargo após a crise política deflagrada pelo “massacre do Carandiru”, quando 111 presos foram mortos na Casa de Detenção, no governo Fleury (1991-1995). Temer foi leal, não houve milagre que recuperasse a gestão de Luis Antônio Fleury Filho.

Não perder a cabeça ajuda. A calma e a temperança, outros de seus traços conhecidos, são considerados cruciais para garantir a governabilidade no cenário atual. Temer lembra que, aos sete anos, em Tietê (SP), leu no muro da cidade natal a palavra “Temperança” e correu até a sua casa para procurar o termo no dicionário. Descobriu que significava moderação. “Adotei isso para toda minha vida”, disse.  José Yunes não tem lembrança de tê-lo visto se descontrolar nem na época de estudante. Uma das poucas pessoas que o fez perder a cabeça foi a presidente afastada Dilma Rousseff. “Não admito desrespeito”,  disse-lhe Temer certa vez, encerrando uma ligação áspera de Dilma sobre uma conversa vazada com Renan Calheiros. Yunes conta ter presenciado Temer desligar uma ligação  “irritadíssimo”, depois de uma conversa com ela. O assunto girou em torno da CPMF.

“Ele tem temperamento adequado. oratória e sabe impor limites”
José Yunes, advogado e amigo de Temer há 40 anos

“Ele se opôs firmemente, porque não havia acordo congressual”. Gaudêncio Torquato acrescenta: ter sido chamado de golpista o deixou “muito nervoso”. “Ele é um professor de Direito Constitucional. Acusações como essas, que ferem a sua dignidade, o tiram do sério”, diz Torquato. A atitude de ter enviado a Dilma a famosa carta vazada horas depois, talvez, tenha sido fruto desse destempero momentâneo. “Michel estava angustiado demais, leu a carta para nós, amigos.  Ele queria colaborar, mas Dilma não entendia.  E foi aquele desastre”, relembra Torquato.   A ideia da carta é, hoje, assumida pelo próprio Temer como “uma burrice”.  Yunes discorda:“Vejo como uma carta de alforria. Ele se libertou”. Nada mais o tiraria do sério. Ser chamado de mordomo, epíteto criado pelo ex-senador Antônio Carlos Magalhães, ou vampiro até o diverte. Segundo amigos, ele demonstra senso de humor com charges publicadas pela imprensa. “Michel sabe que os políticos estão expostos. Não fica bravo”, arremata Torquato.

A costura de alianças para sustentar o seu governo depende da temperança que lhe é peculiar.  “Michel Temer é uma figura com quilômetros e quilômetros rodados de prática política”, opina o senador José Agripino Maia (DEM-RN). Para o presidente do DEM, Temer assume o meio do caminho entre o regime presidencialista e o parlamentarista. “No impeachment, aquele que não foi eleito pelo voto direto é obrigado a se amparar nos partidos para governar, como ocorreria se o regime fosse parlamentarista”, diz Agripino. “Temer, com os predicados que tem, é um perfil adequado para um regime intermediário entre o parlamentarismo e o presidencialismo, em que o Brasil está posto com o impeachment.”

O novo momento inclui deixar rusgas para trás. “Ainda não há clima, mas Temer buscará a reconciliação com Lula, com quem sempre se deu muito bem”, diz um de seus interlocutores. “Afinal, será presidente de todos.” Não será a primeira vez nem a última que Temer recompõe. Guarda menos mágoas com episódios emblemáticos do que os próprios amigos. “Dilma não aproveitou, mas Michel ajudou-a com sua diplomacia. Ela teve inveja. Ele fez viagens importantes, recompôs com Angela Merkel um mal estar entre Brasil e Alemanha (em 2012, nas relações comerciais), e ela respondeu com a descortesia de não convidá-lo para uma reunião com o vice-presidente americano”, reclama Yunes.

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Crédito: Folhapress

PROSA E POESIA

Longe dos holofotes, o marido de Marcela Temer, 32 anos, e pai de Michelzinho, 7,  gosta de caminhar e fazer esteira.  Aos 75 anos, bebe pouco vinho e aprecia doces libaneses.  Não ingere líquidos nas refeições para não inchar a barriga. Adora ver filmes e lê de quatro a cinco livros por mês. Uma leitura recente o marcou: o épico  “Queda de Gigantes”, primeiro volume de 910 páginas da trilogia “O Século”, de Ken Follet. Mesmo com a veia estrategista, Temer não joga xadrez. Nem dama. “Ele não é estrategista, é articulador”, corrige Torquato. O amigo conta que ambos deram boas risadas ao se verem “os maiores estrategistas do acaso” por uma trapalhada tecnológica, que resultou no vazamento do pronunciamento de Temer antes da hora. “Nem dormi, angustiado. A culpa tinha sido minha. Mas quando comecei a ler os elogios, liguei para o Michel: ‘Não tem que explicar mais nada. Foi um discurso de estadista’.”.

Trinta anos se passaram entre a publicação de seu best-seller jurídico “Elementos de Direito Constitucional”, de 1982, e o lançamento, em 2012, de  “Anônima Intimidade”, um livro de poemas escrito em guardanapos de companhias aéreas. Ao ser consultado por Temer se deveria publicar os textos, o ex-ministro do STF, Ayres Britto, seu incentivador literário, se ofereceu para fazer o prefácio. No começo, a ressalva: “Esta é obra de ficção. Qualquer semelhança comigo ou com terceiros é mera coincidência”. Relendo o livro agora, um leitor arguto até enxergaria poemas premonitórios, como “Réquiem”, à pág. 157: “Digo-te adeus/ No sentido literal/ Vai-te a Deus/ E não rezo a ti/ Tu rezarás por mim/ És tu o privilegiado/Deus te trouxe/E agora saudoso/Veio buscar-te para um sítio florido/Colorido/ Onde não há sentimento/Nem bom/nem mau/ Agora sim, viverás/ Fico aqui. Molambo/ Carregando dores da alma/E do corpo/ És tu o privilegiado/ O eleito/Ore por mim”. Oremos.


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