03/03/2017 - 18:00
Em Swordle Bay, ao som das ondas que batiam nas entrecortadas costas do oeste escocês, há mais de mil anos era realizado um ritual solene. Um bando de vikings, o mais icônico povo guerreiro da história, fazia ali o sepultamento de um de seus nobres companheiros. Colocado num pequeno barco a remo sobre o cascalho da praia, o corpo foi coberto por uma capa funerária e levou consigo objetos de batalha, como uma espada embainhada e um enorme machado. Enquanto deixavam o espírito do falecido partir para a próxima vida, seus parceiros faziam uma última homenagem, quebrando uma lança e colocando-a na embarcação, ao lado de um grande escudo redondo, as armas nórdicas por excelência. Essa memória ancestral só pôde ser recuperada por causa do esforço de uma equipe de arqueólogos de duas universidades britânicas, que publicaram na edição de fevereiro do periódico científico “Antiquity” os detalhes de uma pesquisa que começou com a descoberta do bote, em 2011. “É a primeira vez que um funeral viking é achado na ilha principal do Reino Unido”, disse à ISTOÉ o responsável pelo estudo, o professor de arqueologia da Universidade de Leicester Oliver Harris. “Isso mostra a importância que essas pessoas tiveram no assentamento da região no século 10 d.C.”
Do corpo em si, restam dois dentes molares. Eles permitem saber que o indivíduo foi um escandinavo cuja dieta era feita de carne de animais terrestres e marinhos – indicando que ele viveu próximo ao oceano. Os restos mortais não apontam se o cadáver é de homem ou mulher. No entanto, os estudiosos especulam que provavelmente foi de um homem devido à ausência de objetos relacionados ao universo feminino da época, como joias, por exemplo. O conjunto dos achados deixa claro que se tratava de uma pessoa de alto status social. E possivelmente um guerreiro, devido às armas encontradas. Outros itens cotidianos (martelo e pinça de forja, além de panela e caneco de chifre) mostram diferentes facetas do falecido. Além de ser bom de copo, possuía saberes de ferreiro. “Essas peças e conhecimentos são coisas que a maioria dos vikings levava consigo”, afirma Colleen Batey, professora sênior de arqueologia da Universidade de Glasgow, que também participou da escavação. “Pois eles eram necessários para quando estivessem viajando a novas terras.”
PARAÍSO NÓRDICO
Não é possível determinar a causa da morte do indivíduo. Caso tenha perecido valorosamente em combate, seus companheiros acreditariam que ele seria levado a Valhalla, o paraíso dos vikings, por voluptuosas combatentes sobrenaturais chamadas valquírias. Lá, passaria a eternidade alegremente, digladiando-se com as outras almas dos mais bravos guerreiros, apenas para, no fim do dia, ver seu corpo regenerado. Todas as noites, beberia e banquetearia na companhia de Odin, o maior dos deuses nórdicos. Independentemente de sua morte ter sido violenta ou não, os pesquisadores acreditam que o viking esteve numa missão eminentemente pacífica. O pino que adornou sua capa é da Irlanda, o que indica que ele foi vender mercadorias e estava no caminho de volta para casa. Como as relações com os povos que viviam na Escócia no período nem sempre foram amistosas, não é possível descartar a hipótese de óbito em combate. “Há muito mais evidências de vikings como fazendeiros e comerciantes do que como saqueadores”, diz Batey. “É possível que alguns contatos possuíssem elementos de violência. Eles eram um povo violento vivendo em tempos rudes, mas não piores do que quaisquer outros.”
Daqui para frente, os arqueólogos vão expor as descobertas num museu da Ilha de Skye, na Escócia. Além disso, vão contextualizar melhor o sepultamento e suas circunstâncias, analisando, por exemplo, os restos da bainha que encobria a espada.