O presidente Jair Bolsonaro sempre alardeou a narrativa de que os militares brasileiros são os paladinos da justiça e da moralidade, típicos “cidadãos de bem”. Mas no que tange ao aspecto simbólico, o meio militar está maculado. A prisão por tráfico de drogas do 2º sargento Manoel Silva Rodrigues, 38, é uma pequena desgraça. Rodrigues fazia parte da equipe avançada de transporte que dava apoio à comitiva presidencial que se dirigia para o Japão, onde o presidente participa do encontro do G-20. Acabou detido em flagrante, acusado de crime contra a saúde pública espanhola. Uma simples inspeção da Guarda Civil local descobriu pelo raio-X que havia 37 tabletes com 39 quilos de cocaína na bagagem do militar. Ele foi pego quando saía tranquilamente do avião com suas malas carregadas de droga.

FLAGRANTE O sargento Rodrigues acompanhou viagens oficiais de três presidentes: falhas de segurança nos aviões da FAB (Crédito:Divulgação)

O fato, ocorrido na terça-feira 25, ao meio-dia, no aeroporto San Pablo de Sevilha, constrangeu o governo e o País mundialmente. Também colocou sob suspeita a Força Aérea Brasileira (FAB), que demonstrou possuir protocolos de segurança bastante frouxos. A imprensa internacional não deu trégua: o assunto ganhou grande repercussão. O mais intrigante é saber como um membro da FAB, participante de uma comitiva para dar apoio à viagem presidencial, conseguiu embarcar grandes quantidades de entorpecentes num avião oficial. Há fortes suspeitas de que outras pessoas possam estar envolvidas. Está sendo apurado se Rodrigues faz parte de uma quadrilha de traficantes. O Comando da Aeronáutica, que admitiu em nota a necessidade de aprimorar o controle para coibir crimes cometidos por seus servidores, abriu um inquérito policial militar para investigar as circunstâncias da ocorrência. Os 39 quilos de cocaína que ele levava chegam a valer cerca de R$ 5,6 milhões no mercado espanhol.

Até ser apanhado em flagrante, o membro de baixa patente da Aeronáutica exibia perfil insuspeito. Aparentemente era alguém que tinha rendimentos mensais de R$ 7,3 mil e recebia ajuda de custo. Participava de missões de acompanhamento de autoridades brasileiras desde 2011 e cumpria funções de comissário de bordo. Integrante do Grupo de Transporte Especial (GTE), ele por 34 vezes esteve viajando na mesma aeronave que o alto escalão do governo. Em maio de 2016, percorreu o Brasil com a presidenta Dilma Rousseff visitando cidades como Juazeiro do Norte (BA) e Cabrobó (PE). Também viajou para a Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Cabo Verde. No ano passado, foi com Michel Temer para a Suíça.

Enquanto o caso não é elucidado, o militar permanece em detenção provisória. Para evitar que o episódio respingasse no governo, o presidente Bolsonaro pediu que o Ministério da Defesa colaborasse com as investigações e demonstrou indignação. “O episódio ocorrido na Espanha é inaceitável. Exigi investigação imediata e punição severa ao responsável pelo material entorpecente encontrado no avião da FAB. Não toleraremos tamanho desrespeito”, disse. O vice-presidente General Mourão jocosamente afirmou que Rodrigues era uma “mula qualificada”. Inicialmente, Mourão chegou a informar que Rodrigues voltaria de Sevilha no mesmo avião de Bolsonaro, no seu retorno do Japão. A informação foi desmentida pela FAB. Para o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, o que aconteceu com Rodrigues foi “falta de sorte”. “Podia ter acontecido, né? Falta de sorte ter acontecido justamente na hora de um evento mundial. Acaba tendo uma repercussão que poderia não ter tido”, lamentou, entregando o sentimento que reina no seio do governo: o de constrangimento geral.

Para o professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Lucas Leite, presidentes, ministros de Estado e figuras diplomáticas deveriam se resguardar melhor. “A droga pode ter entrado por negligencia ou porque os padrões de segurança são frágeis”, afirmou. “Isso coloca o governo em xeque e derruba o mito de que as forças armadas são intocáveis, incorruptíveis. Como se espera diante de um crime inusitado de tais proporções, o presidente Bolsonaro passou a ser questionado na reunião do G-20. Mesmo que não queira, vai ter que reformular a narrativa.