As notícias econômicas estão cada vez mais desafiadoras, principalmente para o brasileiro que depende exclusivamente do salário para sobreviver. A inflação continua subindo e o acumulado do ano permanece nos dois dígitos, corroendo a capacidade de compra das famílias. Na Europa, a guerra na Ucrânia prossegue com indicações de que será prolongada, o que continua a abalar o mercado internacional, com a alta das commodities. Agora, a mais recente pesquisa sobre o desemprego, realizada pelo IBGE (Instituto de Geografia e Estatística) aponta que o salário do brasileiro diminui em média 8,8% no último ano. Isso não se refere apenas ao poder de compra do dinheiro, mas ao valor pago pelas empresas a seus funcionários. O rendimento médio estimado, no fim do trimestre encerrado em fevereiro, foi de R$ 2.511, o menor da série histórica do IBGE desde 2012.

Outro dado importante do relatório é a discreta queda do desemprego ( 0,4 ponto percentual), que passou para 11,2%. “A notícia seria melhor se a recuperação não tivesse sido às custas da contratação com salários mais baixos”, diz o economista Roberto Dumas, professor do Insper. Outro indicador muito relevante para entender o momento do mercado é o de vendas no varejo, como o consumo no supermercado. “De novembro a janeiro, o volume de vendas caiu 2,6%. A comida é a última da lista de cortes de uma família”, destaca Dumas. Sabe-se que quando o salário fica pequeno para quitar as contas básicas, o corte começa no que é considerado superficial. “Quando chega ao prato, isso quer dizer que a situação é de emergência.”

“A ideia era guardar algum dinheiro, mas o custo de vida aumentou tanto que não sobra nada.”

O poder de compra das famílias diminuiu muito desde o início da pandemia. “Nos últimos dois anos, a inflação média foi 10%, mas o dissídio repôs apenas 5% dessa perda em dois anos”, diz a paulistana Tatiana D’Addio, de 48 anos, editora de livros didáticos. Quando veio a pandemia, há dois anos, ela viu a oportunidade de cortar custos, melhorar a qualidade de vida da família e ainda construir uma reserva no banco. Alugou o apartamento de 90m2, próximo à região da Avenida Paulista, e foi morar em uma casa da família, que estava desocupada em Carapicuíba. “Naquela época, o valor do condomínio e a mensalidade da escola do meu filho representavam 30% do meu salário”, conta ela. No ano passado, o filho Henrique, de 19 anos, entrou na Universidade Anhembi Morumbi, no curso de Design de Games, cuja mensalidade custava menos da metade do que no colégio em que estudava (R$ 2,8 mil). Ele ainda optou pelo ensino à distância por ser mais em conta que o presencial e assim ajudou aos pais. Mesmo com mais dinheiro entrando e menos saindo, a família não poupou “O dinheiro voa”, diz Tatiana, que ainda teve de arrumar trabalho extra.

CRISTINA BARROS A fisioterapeuta perdeu 40% da renda e teve de cortar despesas: deixou de pagar academia de ginástica e ficou sem plano de saúde em 2020. Ela foi dispensada do hospital, onde era coordenadora de área, e agora conta apenas com o rendimento do consultório particular (Crédito:Marco Ankosqui)

“Além da pandemia, percebo que muita gente liga e não marca a consulta, porque não tem dinheiro.”

O Brasil passa por um problema conjuntural, que coloca quase todos os brasileiros na mesma situação. O que difere é o impacto da inflação, que não é o mesmo para todas as camadas sociais. Para a classe A, ela foi de 12,54%, nos últimos dois anos; para a B, 16,07% e para a C e D, 16,93%. “Tirando os mais ricos, que não diminuíram o consumo, os demais não tiveram outra saída. A diminuição do consumo compromete o crescimento do País”, diz Dumas. Por isso, o crescimento do PIB esperado para este ano deve chegar a 0,5%, nas expectativas mais animadoras. Vários bancos e consultorias consideram inclusive que será negativo.

Além dessa conjuntura, há profissionais liberais cujas atividades foram diretamente impactadas pelo isolamento e distanciamento social provocados pela Covid. É o caso do músico Ricardo Silva, de 51 anos, que teve a agenda de shows suspensa de um dia para outro, assim que pandemia foi decretada. “Nos últimos dois anos, gastei todas as minhas reservas. Fiquei com dívidas no banco, porque recorri ao cheque especial. E terei de vender o meu carro para pagar as contas”, conta ele, que é dono de uma Livina Chevrolet , 2011. Com a suspensão dos shows, ele perdeu sua principal fonte de renda. “Sobrou apenas o meu salário de professor, que representava 30% dos meus ganhos, e hoje é minha única fonte recursos.” Para se adequar à nova realidade, ele cortou até a carne do cardápio. “Virei vegetariano.”

RICARDO SILVA O músico perdeu 70% da renda. Precisou usar o dinheiro da poupança e vai vender o carro para pagar o resto das dívidas que acumulou no banco (Crédito:Marco Ankosqui)

“O que sobrar da venda do carro vou comprar outro mais antigo para não ficar a pé.”

A fisioterapeuta Cristina Barros, de 58 anos, ainda olha desanimada para a sala de espera do consultório, localizado na Bela Vista, em São Paulo. Apesar de a pandemia estar controlada, nem a metade da clientela voltou a procurá-la. “Tem gente que liga, especula, mas eu sinto que não marca porque não tem dinheiro para consulta”, diz Cristina. Há dois anos, ela trabalhava como coordenadora de área em um hospital e também atendia no próprio consultório. Mas foi demitida e perdeu o convênio de saúde que a empresa pagava. “Em 2020 fiquei sem plano e tive Covid. Por sorte, foi leve, e me tratei em uma rede popular de consultas e exames.”