É um movimento tão extraordinário como alvissareiro. Até aqui, parte considerável da chamada elite brasileira parecia apática, resignada e silenciosa, quase cúmplice, diante dos descalabros cometidos em todas as direções pelo governo do capitão Bolsonaro. Nenhuma afronta à Carta Magna, desaforos praguejados contra as instituições da República, abusos no Orçamento público ou mesmo o desprezo pelas causas mais essenciais e caras à população – como garantia à saúde, educação e comida no prato, que falta no de tantos – pareciam capazes de comover a nata social (parte dela consciente e pensante), a ponto de levá-la à reação. Mas, aos poucos, felizmente, as coisas estão mudando. Um cordão de isolamento começou a ser montado diante da aberração do governo que claramente conspira e já assumiu o seu viés golpista, dizendo aos quatro ventos que, sim, irá atentar contra à democracia. Estabeleceu até data – o Sete de Setembro, em meio às comemorações que deveriam ser festivas do bicentenário da Independência – e passou a convocar sistematicamente seus correligionários de seita para uma espécie de algazarra geral contra o sistema eleitoral (pilar da democracia), seja qual for o resultado que não se mostre favorável. De um descaramento inominável a petulância do atual inquilino do Planalto, que tenta, a ferro e fogo, se garantir no poder. Bolsonaro move os recursos possíveis — financeiros, políticos, militares e, quiçá, milicianos. Apela à ilegalidade explícita, em uma baciada de crimes de responsabilidade e, até aqui, não enfrentava maiores resistências. Nem mesmo dos senhores parlamentares da Casa Legislativa, que deveriam, essencialmente, servir de contrapeso a favor do povo diante dos devaneios do Executivo. O levante das chamadas classes dominantes começou, afinal, a se costurar e a ser desenhado quando o presidente tratou de destruir a credibilidade do País numa apoplética reunião com embaixadores de países diversos para difamar o voto eletrônico.

Se deu mal. Cerca de 80 instituições, em uníssono, protestaram e condenaram o ato. Da Fiesp à Febraban, todos aderiram à causa. Vieram alertas de todos os lados. Seguiram-se mobilizações setoriais para, de alguma forma, blindar o sistema com apoio explícito aos resultados do pleito — a acontecer logo mais em outubro. Ao arreganho bolsonarista apareceram respostas firmes de banqueiros, empresários, economistas, juristas e formadores de opinião, que assinaram um manifesto dando assim o verdadeiro basta a tanta insanidade. “As coisas estão transbordando”, apontou o empresário Horácio Lafer Piva, uma das vozes mais lúcidas e aguerridas do empreendedorismo nacional. E está certo. Transbordou mesmo a paciência geral. No 11 de agosto está previsto um grito nas ruas de resistência a Bolsonaro. Nada supera a força de um posicionamento firme e claro de todos os extratos sociais a favor dos valores que lhes são mais caros. Impingir a uma população engajada a rendição incondicional a regimes totalitários é batalha perdida para arrivistas como o capitão — ele, em pessoa, um cancro que precisa ser extirpado da política, evitando que o seu obscurantismo crie metástase e raízes. Não há registro histórico no Brasil de algo igualmente perverso e fora de contexto gerado por um caudilho de atitudes tão anacrônicas e desestabilizadoras do sistema. Ante a gravidade das ameaças, que crescem a cada dia com a animosidade presidencial, a reedição da Carta aos Brasileiros – que na década de 1970 fez história em pleno regime da ditadura – veio em boa hora. Desta feita, lida em brado pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-decano da Corte Celso de Mello. Como bem disse o jurista, “Bolsonaro mostra-se um político medíocre que tem aversão à democracia”. Precisa ser impedido de avançar na sua sanha, para o bem geral da Nação. O Brasil necessita agora de todas as vozes possíveis em defesa dos valores e princípios, e do respeito à Constituição. No ápice do absurdo sem limites torna-se vital deixar as divergências ideológicas, ou mesmo interesses pessoais, de lado, e se unir numa coalizão indissolúvel, contra os pendores arbitrários, venham eles de onde vierem. Mesmo direto do Palácio do Planalto. Que desalojem do poder aquele que jurou cumprir a Carta e que hoje exibe, sem constrangimento, diariamente, o desejo irrefreável de rasgá-la para reinar absoluto, subjugando cada um dos brasileiros aos seus caprichos e esquemas. Democratas do mundo inteiro estão atentos ao que ocorrerá nas eleições por aqui. O governo dos EUA já expressou abertamente o seu receio nesse sentido e apelou para o resgate do bom-senso por parte das Forças Armadas, que não podem se alinhar aos devaneios de um projeto de ditador. O Brasil não precisaria estar passando por isso. Lastimável a armadilha em que caiu ao escolher um desatinado para o comando. No modo desespero, o Messias bananeiro tenta a última cartada, investindo na anarquia para desarranjar os fundamentos republicanos e evitar o destino da cadeia, que é o lugar que merece pelo que fez. Os desvarios autoritários de certas figuras não podem triunfar sobre a consciência geral que preza pela liberdade. O repúdio a acenos despóticos chegou no momento certo. Mesmo as elites não estão mais hipnotizadas e passaram a reagir pedindo respeito às regras. Que assim seja.