Rogério 157, Nem e mais 848 chefes do tráfico, nas 1025 favelas do Rio de Janeiro, é que fazem as Forças Armadas subir morro e descer morro na cidade. As autoridades civis, zonzas em meio ao tiroteio entre bandidos, só encenam que têm o comando. Essa inversão de valores é uma afronta à democracia e às Forças Armadas. Na semana passada, por exemplo, mais uma vez vimos trabalhador ser morto pelas carioquíssimas balas perdidas. E a Rocinha, uma das maiores comunidades da América Latina, tornou-se metodologicamente o idealtipo desse teatro do absurdo. Isso é lastimável do ponto de vista social porque a população se vê nas mãos dos traficantes. No campo político, a irracionalidade se dá porque as Forças Armadas são instituição que merece o respeito de todos nós e não estão constituídas para serem expostas ao risco físico e moral dessa brincadeira de esconde-esconde com marginais.

O que se vê nos morros, sob o império da lei da biqueira, demonstra claramente que correr atrás de bandido é problema da polícia. Os militares operam na prática mais como fator de intimidação do que de repressão, e é bom que seja assim. Mas vale a seguinte pergunta: e se um militar atirar, errar o alvo e involuntariamente matar um inocente? Serão imensuráveis o desgaste e as críticas para o Exército, a Aeronáutica e a Marinha, quer o julgamento do atirador se dê pela Justiça Comum ou pela própria Justiça Militar. O argumento de que se tratou burocraticamente de cumprimento de ordem, numa espécie de tradução praieira do conceito de “banalidade do Mal”, criado por Hannah Arendt, não funcionará.

Algumas autoridades civis, tão predatórias por meio da corrupção como são os traficantes pelo comércio das drogas, insistem na taramelagem do Estado paralelo. Bobagem: se os chefes de quadrilhas dão ordens de dentro das cadeias, que territorialmente são espaço e chão do Estado oficial, o narcotráfico já é esse próprio Estado. Deveria ser o Estado legal o idealtipo na legitimidade da posse do monopólio da violência, ação racional (Max Weber) para manutenção da ordem social.

O que se vê, no entanto, é o contrário: o monopólio da violência está nas mãos dos traficantes. Acompanhando Theodor Adorno: para que nunca mais existam campos de extermínio, nunca poderia ter havido um campo de extermínio. Pois bem, para que o Rio de Janeiro deixe de ser o anúncio fúnebre que é, seria preciso que nunca tivesse sido dominado pelo tráfico.

Mas o tráfico está aí. Se o pecado da ação pode ser algumas vezes o da omissão, que é o “pecado de fazer não fazendo”, conforme ensina Padre Antônio Vieira, tal pecado as Forças Armadas não cometeram. O pecado é civil. Deixemo-nas, portanto, em paz — e a salvo do “óleo fervendo” e dos “microondas” do crime organizado.