A professora Regina Pinto fica apreensiva todas as vezes que abre o aplicativo de sua corretora no celular. O que a tem feito franzir a testa é o desempenho de seu investimento no Tesouro Direto. Conservadora nos investimentos, por anos ela foi cliente das cadernetas de poupança. Porém, a queda recente da taxa Selic a fez migrar para o Tesouro Direto, aplicação em que pessoas físicas compram títulos públicos, em busca de rentabilidade. A migração vem tirando o sono da professora, que aprendeu da maneira mais difícil que os preços dos títulos públicos oscilam. “Estou bem insegura, porque acho que estou perdendo dinheiro, o que não acontecia na poupança”, diz.

“Sempre tive poupança e agora vendo essa oscilação do Tesouro Direto fico bastante insegura” – Regina Pinto, professora aposentada (Crédito:Gabriel Reis)

Como ocorreu com Regina, vários investidores do Tesouro Direto têm ficado preocupados com o desempenho de suas aplicações. O sinal amarelo apareceu após a oscilação incomum nos preços dos títulos. A explicação para a volatilidade é a piora das expectativas do mercado financeiro com relação à questão fiscal brasileira. O fato de o governo não conseguir controlar os gastos, somado à desaceleração da economia, reduziu as atividades e derrubou a arrecadação. Com aumento dos gastos, a dívida pública, que já era alta, disparou, chegando a marca de R$ 4,5 trilhões em setembro. A relação dívida versos Produto Interno Bruto (PIB) deve passar de 75% para 94,6% neste ano, conforme a estimativa feita pela XP Investimentos.

A dívida explosiva e a falta de segurança para que o governo contenha os gastos públicos sem embarcar em aventuras populistas, implodindo o ajuste fiscal, tem afugentado os investidores internacionais. Isso complica ainda mais a questão do teto dos gastos, uma vez que a regra prevista na Constituição exige que o endividamento não supere limites do orçamento. Assim, os investidores temem que o Tesouro, que é o caixa do governo, tenha problemas para honrar seus compromissos no prazo. Por isso, o mercado cobra taxas maiores para emprestar ao país no longo prazo. Indicador de risco de calote, o CDS (Credit Default Swap) do Brasil é superior ao de vizinhos do continente, como Colômbia, México, Peru e Chile. “A situação fiscal do Brasil é ‘insustentável’, diz Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Investidores estão vendendo a moeda brasileira e se recusando a comprar títulos de longo prazo. Com isso, o risco de fuga para outros ativos ou moedas aumenta e põe em risco a solvência do Estado, deixando apenas duas opções, segundo ele, “intragáveis”: uma superinflação ou um calote (nos detentores dos papéis).

“Até chegar a um calote efetivo existe um mar de alternativas”, sustenta Rachel de Sá, analista de macroeconomia da XP Investimentos. Ela afirma que o investidor brasileiro pode ficar sossegado, por vários motivos. O primeiro deles é que a dívida pública hoje é em real. É uma situação muito diferente da Argentina, por exemplo. Lá, o governo está endividado em dólares. “Se tudo der errado o governo ainda pode emitir dinheiro para honrar seus compromissos. Mas o risco é baixo”, diz Rachel. O temor de que o governo tenha de elevar os impostos ou emitir mais dívida para fechar as contas tem feito grandes investidores, como bancos ou as empresas que administram fundos de investimento, pedir juros mais altos.

Por uma questão técnica, se os juros sobem, os preços dos títulos caem. Isso dá ao investidor a impressão de que está perdendo dinheiro. Porém, apesar da oscilação do preço, o título em si não muda. Só vai perder dinheiro quem vender agora, com o preço em baixa. “O que recomendamos aos iniciantes é, se puder, espere até o vencimento, para não perder nada”, diz a analista de renda fixa da XP, Camilla Dolle. Segundo ela, os novos investidores podem ficar assustados com a volatilidade, porque não estavam acostumados a isso na poupança. Quando se fala que Tesouro Direito é seguro, isso quer dizer que não há calote, mas não significa a ausência de oscilações.

 

Investimento popular

Lançado em 2003 para oferecer uma alternativa para os pequenos investidores, o Tesouro Direto permanece popular. Mais de dois terços das aplicações, cerca de 67,4%, são inferiores a R$ 1 mil. Há 8,39 milhões de pessoas cadastradas no programa e, em setembro, 1,36 milhão de brasileiros tinham investido uma fração de um título público. Nesse mês, o total de participantes subiu 14,9 mil. No mês passado, o estoque contabilizou R$ 61,49 bilhões. A turbulência fez essa cifra encolher em setembro em R$ 168,48 milhões. Os títulos mais demandados foram os indexados à Selic, que respondem por 39,91% das vendas. “O estresse do mercado ainda vai continuar, até porque muitas operações vencem no primeiro quadrimestre de 2021 (a dívida é de R$ 643 bilhões). Mas não há sinais de problemas de solvência e sim variação de custos na rolagem de dívida”, opina a economista chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack.