A busca pelo dinheiro rápido e fácil e a performance da Bolsa brasileira, que está na marca de 120 mil pontos, perto do seu recorde histórico, tem feito com que pessoas apostem alto e com movimentos arriscados no mercado financeiro. Uma modalidade em alta é o chamado day trade. Do mais experiente ao novato, muitos estão sendo seduzidos pela operação, cujo foco é comprar e vender ações rapidamente em busca do lucro diário. Mas, como tudo o que envolve ações, há riscos que devem ser ponderados, especialmente pelos pequenos investidores, como o recente caso da GameStop nos EUA mostrou.

O day trade explodiu no Brasil, assim como a participação de pessoas físicas na B3, a Bolsa brasileira. A atividade tem ganhado adeptos não só pela promessa de dinheiro rápido mas também pela comodidade em operar as ações da própria casa e sem intermediários. Mesmo convidativo, economistas alertam para as adversidades. “O day trade é como uma aposta. A pessoa tenta lucrar adivinhando os rumos do mercado, e sem ter conhecimento para isso”, diz Bruna Alleman, diretora de investimentos e capital Markets para a América do Sul da Lightstone Group. Vinicius Machado, gestor financeiro certificado pela CVM, reforça que pessoas não habituadas ao mercado de ações podem ter contratempos. “Há uma ilusão de que é fácil, mas não é. Mesmo pessoas experientes podem ter problemas. Imagina o iniciante. E há uma propaganda massiva na internet.”

“Muitos fracassam. Esse mundo não é para aventureiros e eu aprendi isso” Alex Martins, investidor (Crédito:Rodrigo Zaim)

Os exemplos se multiplicam. O investidor João Beck, que atua no mercado de ações desde 2004, perdeu R$ 300 mil com day trade ao longo de 2016. “Eu não conseguia me dedicar exclusivamente, então não acompanhava as ações”, afirmou. Após o tombo, ele largou a atividade e diz ter recuperado o investimento perdido no fim do ano passado. “O day trade não é para qualquer um. É para poucos, aliás. Você precisa estudar, ter disciplina, tempo e um capital que possa garanti-lo em caso de perda.” Também investidor, Alex Martins perdeu R$ 1 milhão em um único dia: 6 de maio de 2010. A derrocada aconteceu em meio à uma quebra histórica nas bolsas americanas. “Tentei reverter ao longo do dia, mas não consegui. Acabei perdendo o controle emocional”, lembra. Alex precisou vender imóveis e se desfazer de outros investimentos para conter o prejuízo. Entre perdas e ganhos, ele diz que segue operando nessa modalidade, mas alerta que “é difícil viver só disso”.

“Short squeeze”

Alex e João conseguiram se reerguer, mas nem sempre é assim. É comum encontrar depoimentos na internet de pequenos investidores que perderam dinheiro, ainda que nem todos estejam dispostos a contar sua história publicamente. O jovem F.S., que atua com comércio exterior, perdeu R$ 80 mil entre 2019 e 2020 em operações de day trade. “Fui colocando mais dinheiro a cada dia sem lucro e, no fim, perdi boa parte do que havia guardado”, lamenta.

Para driblar as perdas e enfrentar os grandes investidores, os pequenos têm procurado se unir. Nos EUA, o mercado foi chacoalhado nos últimos dias com uma operação conhecida como “short squeeze”, quando aplicadores minoritários se unem para influenciar o valor das ações de uma empresa. Dois milhões de pessoas reunidas em um fórum na internet se juntaram para elevar a cotação da GameStop, que vende jogos. A companhia vive situação financeira delicada e teve a maioria de suas ações adquiridas por investidores “vendidos” (que apostaram na queda).

A compra em massa fez os papéis dispararem e fundos de investimentos perderam bilhões de dólares. No Brasil, houve tentativa semelhante com a resseguradora IRB Brasil RE, mas uma intervenção da B3 e da CVM, que regula o mercado, impediu que o caso tivesse a mesma proporção. Segundo Machado, a participação de pessoas físicas no mercado tende a aumentar. “O que era restrito está muito mais aberto pela tecnologia. É um fenômeno mundial. As pessoas querem ganhar dinheiro rapidamente”, afirma. Para Norberto Zaiet, gestor de recursos da Picea Value Investor, os eventos ocorridos com a Gamestop e a IRB mostram que pessoas físicas, sobretudo pequenos investidores, têm vez e voz. “Mas é preciso fazer a lição de casa e operar dentro da lei para evitar problemas e prejuízos”, completa.