Parece condição tão elementar de um país civilizado, fundamento basilar de uma democracia tal respeito aos resultados das urnas, mas, no Brasil de hoje, lamentavelmente, mais do que nunca, o apelo precisa voltar a ser reiteradamente feito. E não é para menos. Diante de um mandatário, o chefe da Nação em pessoa, que diz de viva voz que vai pensar se aceita o veredicto do voto da maioria, o risco de ele melar as eleições por nada – por mera ambição pessoal desmedida – não é pequeno. Bolsonaro repetiu nos últimos dias que pode questionar o desfecho da corrida presidencial. Reclamou, sem provas, como vem fazendo ao longo do tempo, que o TSE é “parcial”. A despeito das sinalizações das pesquisas apontarem a derrota para o adversário, na quase totalidade dos levantamentos, ele vai propagando a versão de que ganhará no primeiro turno e que qualquer situação em contrário ao seu prognóstico deixará evidente que ocorreram fraudes. É de um desrespeito e de uma desfaçatez sem tamanho a postura de incitação à arruaça. Logo ele que, pela natureza do cargo, jurou cumprir e defender a Constituição. Decerto não podemos ser ingênuos. No caso do Jair Messias, como é do conhecimento geral, juras e promessas nunca valeram de nada mesmo. Ele não cumpre o combinado, não obedece regras nem parâmetros republicanos de civilidade. É um ogro no trato com pendores golpistas inarredáveis. No mundo inteiro soou o alarme diante da possibilidade desse projeto de caudilho apelar para a violência se contrariado – como, tudo indica, acontecerá – pela porção majoritária dos eleitores. Parlamentares da Comissão Europeia pediram aos líderes do bloco que cogitem sanções comerciais ao Brasil caso Bolsonaro promova alguma tomada de poder à força. As instituições nacionais precisam estar fortes e responder de imediato nessa eventual circunstância, vislumbrada sim no horizonte, ou ao menos nos planos mais recônditos do capitão e da trupe de seguidores fanáticos que vivem na bolha de sua narrativa. A Casa Branca também teve de vir a público para reiterar que espera votação “livre e justa” no País e que acompanhará de perto o processo. Faz muito tempo que um escrutínio por aqui não despertava tanto receio, e o presidente da República é o direto e – único – responsável pelo retrocesso da dúvida. Há mais de três décadas as escolhas de nossos representantes ocorrem na mais perfeita normalidade e sem maiores acidentes de percurso. Bastou um líder totalitário aparecer no Planalto para colocar tudo a perder.

Alguém que, diga-se de passagem, foi seguidamente eleito parlamentar pelo mesmo sistema que hoje condena. Não faz sentido, embora o que almeje, como mais do que sabido, seja a perpetuação de sua figura no poder a qualquer custo. Bolsonaro, que vinha exigindo a fiscalização sistemática por meio de seus representantes, pedindo a interferência e controle das Forças Armadas sobre as urnas – algo que não tem paralelo antes, nem mesmo na ditadura – resolveu ironizar, discordar e resistir a participação de missões externas de observadores, que chegaram ao Brasil para acompanhar a votação. Ele, que diz querer a transparência, reclamou da delegação da OEA – a missão da Organização dos Estados Americanos – especialmente convidada pelo TSE. “Vieram observar o quê?”, trombeteou. Numa resposta direta ao dublê de mandatário-candidato: estão aí para vigiar se o senhor não faz nenhuma besteira, como quer e tenta. Bolsonaro pede contagem paralela de votos e acesso ao conteúdo inviolável das urnas. É mais do que fiscalizar. É controlar o evento. Algo absolutamente distópico da realidade democrática brasileira. Mesmo seus partidários estiveram por esses dias em visita a chamada “sala secreta” do TSE – que de secreta não tem nada – e atestaram a absoluta lisura ali. A tensão na reta final só cresce e não precisava ser assim. O desfecho da eleição figura como um divisor de águas entre a democracia e o autoritarismo. No paralelo, mensagens produzidas por gabinetes do ódio incitam invasões ao Congresso e STF. Grandes empresários, donos de clubes de tiro e setores da elite bancam o capitão em sua campanha armamentista, como se quisessem transformar o Brasil em um gigantesco campo de tiro, terra sem lei para a delinquência. Boa parte dos cidadãos de bem já viraram a página Bolsonaro e sua trajetória de desmando pode, finalmente, se acabar nos próximos dias ou semanas. Não há como ser neutro frente à escalada de insanidades que foram perpetradas pela atual gestão. O dever do voto, mais do que nunca, virou uma luta pela sobrevivência do direito individual de cada um de nós.