PROTESTO Com o beneplácito de Damares, ativistas fazem pressão para impedir aborto em menina estuprada (Crédito: Anderson Nascimento)

O último disparate do Ministério do Meio Ambiente, que lidera, neste momento, a alopração geral na República, foi acabar com as barreiras de proteção aos manguezais e restingas, derrubando normas no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que foi desfigurado pelo ministro Ricardo Salles e passou a ser um órgão governista. Com a extinção de medidas protetivas, os “berçários” dos ecossistemas litorâneos, que fazem a transição da fauna e da flora entre a terra e o mar, ficarão mais próximos da destruição. Dois dias depois da decisão de Salles, a Justiça cancelou, em caráter liminar, sua medida e, pelo menos adiou a política de terra arrasada do Ministério.

TERRA ARRASADA Em vez de preservar a natureza, Ricardo Salles tenta sabotar a proteção de manguezais e restingas

As loucuras dos ministros de Bolsonaro não são ataques aleatórios. Elas visam destruir tudo que se assemelhe a ideias e políticas públicas progressistas e que tenham relação com a proteção de desfavorecidos e da natureza. “Em meio à destruição ambiental recorde em um Brasil consumido pelas chamas, Salles destina seu tempo para promover mais destruição, impondo prejuízos incalculáveis à coletividade e reforçando a imagem do país como um vilão do meio ambiente”, diz Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace. Há um evidente contrassenso na decisão do ministro. Em vez de tomar medidas para reduzir a devastação dos biomas, ele faz o contrário, uma semana depois de o Pantanal ser incendiado. Vilipendia o Conama, arruma novos problemas e não ajuda a resolver os que já existem.

Essa é a estratégia do governo. Outros ministros agem da mesma forma que Salles. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, prefere expor uma menina de 10 anos que foi estuprada do que seguir a lei e aceitar que ela faça um aborto. Na Educação, o ministro Milton Ribeiro deixa de lado sua responsabilidade pela formação dos brasileiros e opta por ofender professores e homossexuais. Ribeiro negligencia a possibilidade de coordenar a política nacional de educação, de contribuir para a inclusão digital e de apoiar, com pessoas e equipamentos, escolas que funcionam de maneira precária. Prefere insultar minorias e trabalhadores. Há um desvio de conduta generalizado, uma falta de boa vontade e um abandono de objetivos elementares para melhorar a sociedade e o meio ambiente.

“Em meio à destruição ambiental recorde em um Brasil consumido pelas chamas, Salles destina seu tempo para promover mais destruição” Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace (Crédito:Divulgação)

Vice em 2022

O País parece, hoje, um filme de terror em ritmo de chanchada. Damares, que aos olhos de Bolsonaro é uma ministra exemplar, tem sido uma disseminadora de opiniões e ações estapafúrdias. Talvez seja isso que a torne a ministra mais popular do governo e fortaleça seu nome para sair como vice na chapa de Bolsonaro na eleição de 2022. Damares montou no seu gabinete uma equipe de ativistas de extrema-direita que passaram os últimos meses causando perturbações à ordem pública, caso de Sara Winter e do missionário evangélico Renan da Silva Sena, que atacou enfermeiras que protestavam no gramado do Palácio da Alvorada. Dentro do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos há um aparelho de promoção de ideias retrógradas e desobediência civil. Foi de Damares que partiu a ordem executada por seus auxiliares, enviados para o estado do Espírito Santo com o objetivo de tentar impedir o aborto da menina. Embora tenha mantido silêncio público, a ministra atuou nos bastidores para tentar impedir que a garota fosse submetida ao procedimento. Damares pretendia transferi-la de São Mateus (ES) para Jacareí (SP), onde a menina passaria pela gestação e teria o bebe, numa típica sabotagem bolsonarista. Na sua cruzada contra o aborto, a ministra atropela, inclusive, o Estatuto da Criança e do Adolescente e transforma os Direitos Humanos em letra morta.

“Isso revela, primeiramente, um profundo despreparo de quem deveria estar à frente de medidas de proteção das crianças”, afirma a promotora Tarcila Santos Teixeira, da 1ª Promotoria de Justiça de Crimes contra Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Paraná. “Querer manter uma gravidez de uma menina de dez anos que sofreu uma violência sexual severa é um total absurdo”. Segundo Tarcila, o Estado deveria ser o primeiro a se colocar na posição de garantidor de direitos e proteger os interesses da menor de idade, mas, numa completa inversão de valores, passa a ser seu perseguidor. Além de não preservar os direitos humanos, a ministra emperra o orçamento do Ministério e abandona programas sociais, como a Casa da Mulher Brasileira, que se dedica às vítimas de violência doméstica. O programa deveria receber R$ 19 milhões no ano passado, mas nada foi desembolsado por Damares. Ao mesmo tempo, a ministra consegue direcionar recursos do governo, vindos do projeto Arrecadação Solidária, comandado pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, para instituições missionárias evangélicas aliadas.

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Ofensa a homossexuais

Bolsonaro implodiu todos aqueles ministérios que, em administração pública, são classificados como atividades fins. Na Educação, em vez de apresentar propostas e definir estratégias para melhorar a área ou para ajudar a enfrentar a pandemia, o ministro Ribeiro se limita a destilar preconceito e fazer julgamentos precipitados. Em uma entrevista para o jornal O Estado de S.Paulo, Ribeiro mostrou a que veio. “Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, atenção da mãe”, disse. Posteriormente, para se defender, Ribeiro afirmou que suas declarações “foram interpretadas de modo descontextualizado”. Mesmo assim, não há volta: ele tratou a orientação sexual como opção e usou o termo homossexualismo, que foi retirado de circulação pela Organização Mundial de Saúde (OMS), há 30 anos, quando a homossexualidade era classificada como doença.

Ribeiro foi ainda mais longe ao menosprezar e ofender os professores. Segundo ele, “hoje ser professor é ter quase uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”. Para o ministro, que deveria defender a educação como algo supremo, professores são ineptos e frustrados e, por isso, exercem a profissão. O Centro do Professorado Paulista (CPP) soltou uma nota de repúdio em que “vê com preocupação as recentes declarações do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que se mostram equivocadas frente aos parâmetros curriculares e em desacordo com o cargo que ocupa”. Para a diretoria do CPP, “o ministro mostra desconhecimento de suas atribuições e uma visão distorcida e preconceituosa que contraria a legislação vigente sobre educação”. “O MEC — que já está em seu terceiro ministro no governo Bolsonaro — continuará irrelevante, justamente no momento em que é mais necessário”, completa.

Damares saiu em defesa de Milton Ribeiro e disse, pelo Twitter, que ele, como outros ministros que defendem um ideário conservador, vem sendo “atacado de forma vil”. “Todos os ministros envolvidos com a pauta de valores são absurdamente perseguidos e atacados. Conheço o ministro Milton. É uma pessoa do bem, da paz e do diálogo, além de ser um grande gestor que tem como meta fazer grandes mudanças na educação brasileira. Força Ministro!”, afirmou. O que a ministra não diz, porém, é que Ribeiro deveria estar cuidando de outros assuntos em vez de fazer considerações sobre a orientação sexual das pessoas e ultrajar professores. Assim como Damares deveria estar mais preocupada com a defesa dos direitos das mulheres e das crianças e adolescentes em vez de fazer fumaça com sua ideologia, levando dezenas de pessoas a organizarem protestos contra o aborto da menina.

Soberania lesada

No plano externo, o Brasil também passa vergonha. Há duas semanas, o ministro Ernesto Araújo deu mais uma demonstração de submissão aos Estados Unidos e de que pouco se importa com a soberania nacional. Araújo permitiu que o secretário de Estado de Donald Trump, Mike Pompeo, em plena campanha para a reeleição do chefe, visitasse Roraima e, em território brasileiro, fizesse ataques ao governo de Nicolas Maduro e defendesse a redemocratização do país, envolvendo o Brasil num conflito que só interessa aos americanos. De cara, violou o Artigo 4º da Constituição Federal, que promove a integração dos povos da América Latina e ultrajou dois princípios básicos da diplomacia brasileira: o respeito à autodeterminação dos povos e o princípio da não intervenção.

Convocado para dar explicações na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, a pedido do senador Telmário Mota (Pros-RR), Araújo reforçou sua relação de subserviência aos Estados Unidos. “Hoje o parceiro que mais pode nos ajudar a cumprir a Constituição, a independência, os direitos humanos e outros objetivos são os EUA. Não tenho vergonha nenhuma de que seja um parceiro tão importante, eles podem nos ajudar a transformar o Brasil do jeito que queremos fazer, numa real democracia e economia de mercado, respeitados no planeta”, disse Araújo. O ministro diz que o governo brasileiro trabalha pela redemocratização da Venezuela, algo que não lhe diz respeito.

“A postura do chanceler durante a reunião com os senadores foi para inglês ver”, disse Telmário Mota, que entregou uma bandeira do Brasil para Araújo. “Essa é a bandeira que o senhor deve defender, em vez de a norte-americana”, completou. O senador criticou a posição dos governos do Brasil e dos EUA contra a Venezuela que atinge, em cheio, a economia de Roraima. “Não podemos brigar com quem compra da gente, com quem contribui para o nosso comércio. Quando começaram as sanções dos EUA contra a Venezuela, o comércio de Roraima com eles caiu de US$ 350 milhões, em 2018, para US$ 238 milhões, em 2019”, afirmou. “Eu lhe pergunto, senhor ministro: por que o Pompeo foi lá agora, em plena campanha do Trump? As fronteiras estão fechadas. Por que ele não foi na hora da crise da imigração, quando ninguém tinha dinheiro para nada?”, completou.

“Eu lhe pergunto, senhor ministro: por que o Pompeo foi lá agora, em plena campanha do Trump? As fronteiras estão fechadas. Por que ele não foi na hora da crise da imigração, quando ninguém tinha dinheiro para nada? Telmário Mota, senador Pros-RR (Crédito:Divulgação)

Apesar da virulência dos ataques, a sociedade está reagindo vigorosamente aos arroubos ministeriais do governo Bolsonaro. Assim como o Senado convocou Araújo para dar explicações, instituições sociais condenaram as atitudes de Damares em relação ao aborto da garota e também as falas absurdas de Ribeiro contra homossexuais e professores e a fúria devastadora de Salles. No caso de Ribeiro, o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual (GaDvs) fará uma queixa criminal por racismo homotransfóbico e entrará com uma ação civil contra o ministro por dano moral coletivo. Já no caso de Salles, a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu a extinção das duas resoluções do Conama que impedem a destruição de manguezais e restingas. Felizmente, as vontades dos ministros de Bolsonaro não, necessariamente, estão sendo transformadas em prática. A sociedade demonstra que está atenta às arbitrariedades do governo. E há, afinal, uma saudável e firme resistência contra a insanidade reinante.


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